segunda-feira, 4 de janeiro de 2016

De Berlim a Lisboa VII

Cap Breton, Bayonne, Biarritz

napoleão fez aqui uma investida ao mar
para o domar e dá-lo à mão do homem
teve sucesso o pontão persiste ainda contra as ondas
onde tantos se passeiam e se fotografam para se preservarem
nos seus raras vezes visitados arquivos de inveja
e embora também nós tenhamos aqui passado
é mais pela escrita em todo o meu corpo que guardo
esta estadia neste cabo em suas grossas areias e pôr-de-sol
acompanhado a vinho e bem-estar que se arruinaria
em poucas horas porque mais indomável que o mar é o ego
sentado no seu trono de ideias e solitárias vontades
tivemos de buscar outro abrigo para a noite fria caindo
com chuva e desiludida como uma notícia de despedida
que te convida a partir mãos nos bolsos na direcção oposta

percorremos os fundilhos francófonos e montámos praça no país basco
invertemos a carroça rearranjámos as suas dimensões
e partilhámos todos o mesmo espaço como numa longínqua e inexistente
idade do ouro de acordos mudos olhares significativos carícias protetoras
no estacionamento de um parque pleno de amantes de hóquei em gelo
quando não mais suportávamos o desconforto brotando entre osso e ferro
amanhecemos com o mesmo mar que banha Cap Breton fora a fúria
que quase nos levou perder a esperança conquistada em St. Hélène
e de uma quase insónia o dia fez-se mole e arrastou-se tornando-nos
na cova onde o moribundo espera a morte adiada pelo médico
acabando em Bayonne por içarmos a âncora e passarmos a fronteira ofuscando-nos
com a opulência de Biarritz suscitando em nós o desejo obscuro da riqueza que ninguém escapa
o qual pode nada mais ser que a possibilidade de viver ligeiramente livre e à tona
da água com uma casa onde dormir e receber amigos e permitir-nos um pouco do luxo
do lazer e da cultura que também nos alimentam no seu modo de inutilidade económica

mas repara como poucos podem percorrer meia europa por própria vontade
e ver esta velha com um só rosto dividido e desfigurado por plásticas
parte constante novidade e renovação parte conservadorismo e tradição
talvez tenha sido esse o sentimento que nos convidou a esquecer
a nossa temporária condição enquanto comíamos churrasco numa duna

Sem comentários: