domingo, 27 de dezembro de 2015

A mulher do guarda do Jardim Zoológico



Posso ficar a noite toda acordada, se for preciso –
Fria como uma enguia, sem pálpebras.
Como um lago morto as trevas envolvem-me,
Azul-escuro, uma ameixa espectacular.
Nenhumas bolhas de ar nascem do meu coração. Não tenho pulmões
E sou feia, a minha barriga uma meia de seda
Onde se decompõem as cabeças e caudas das minhas irmãs.
Vejam, estão a derreter-se como moedas em potentes sucos –

As aracnídeas mandíbulas, as vértebras expostas por um momento
Como as linhas brancas de uma planta de arquitectura.
Deveria mexer, penso que este saco rosa e púrpura
De entranhas daria estalidos como o chocalho de uma criança,
Queixas velhas acotovelando-se umas às outras, tantas perdem dentes.
Mas o que sabes disso
Meu porco anafado, meu querido meduloso, desistente?
Algumas coisas deste mundo são indigestas.

Fizeste-me a corte com os morcegos frugívoros cabeça-de-lobo
Suspensos pelos seus ressequidos ganchos na húmida
Abafada Casa dos Mamíferos Pequenos.
O tatu dormitou na sua caixa de areia
Obsceno e careca como um porco, os ratos brancos
Multiplicados ao infinito como anjos na cabeça de um alfinete
Por puro fastio. Enrodilhada nos lençóis transpirados
Relembro as galinhas sangrentas e os esquartejados coelhos.

Conferiste os quadros dietéticos e levaste-me a brincar
Com a jibóia no Jardim dos Iguais.
Fingi que era a Árvore do Conhecimento.
Entrei na tua bíblia, emadeirei a tua arca
Com o sagrado babuíno na sua peruca e orelhas de cera
E a aranha peluda como um urso comedora de pássaros
Continuamente escalando na sua caixa de vidro como uma mão de oito dedos.
Não consigo tirar da minha cabeça

Como o nosso namoro acendeu as jaulas inflamáveis –
O teu rinoceronte de dois chifres abriu uma boca
Suja como a sola de uma bota e grande como uma pia de hospital
Para o meu cubo de açúcar: o seu hálito pantanoso
Enluvou o meu braço até ao cotovelo.
Os caracóis sopraram beijos como maçãs negras.
Agora de noite açoito macacos corujas ursos carneiros
Por cima das suas cercaduras metálicas. E mesmo assim não adormeço.


in Sylvia Plath, Crossing the Water - transitional poems

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