terça-feira, 6 de março de 2012

Marcin Sendecki - 5 poemas

RECORDAÇÃO DE CELULOSE

Agora deita-te numa cama limpa.
Agora despe-te e queima a roupa.
A vista da janela que dá para a do
ré-do-chão, e a vista desta, ficam
sobrepostas e divulgadas. E agora é tempo de coisas desagradáveis.
É compreensível. Depois da noite num barco, o sol
parece tão instrutivo que não podemos
fechar os olhos. E vale a pena olhar. Tal como
a prisca atirada para o chão húmido cai no gelo.
Ainda no campo visual, sem pausas para a publicidade.

é exuberante. É inevitável.
Afundar-se para alcançar o conhecimento inrrefutável.
Enxugar o cabelo e mudar de roupa.
Depois encontrar um lugar à sombra.
O sonho virá silencioso como chuva desfolhante.

*

POODLE SPRINGS


Não é a minha cidade. fumei
um cigarro, caminho longamente no quarto,
paa me livrar dele.

ouço o cão, vejo
o carro à entrada. falarás
através de uma placa de coisas

úteis. a nossa fotografia na
página do jornal, embora não
haja motivo. sou saudável

como bourbon e apanho
na soleira da porta um envelope
timbrado.

Se quiseres
ver-me entra e fecha
a porta.

*

DOMINGO

My heart is in my pocket
Franck O'Hara

A luz fluida atravessa a fronteira do vidro,
misturada com o bafo e o fumo dos cigarros.
Descendo das paredes, a pintura amarela cobre a roupa da

cama, 
o caule das coisas e o tampo brilhante da mesa. O meu coração
está diante de mim, não se move:

*

PEGADAS

Transportaram-me e alimentaram-me. Lugar
escolhido. (Actividades próprias dos escalões inferiores):
Mexeram em mim, depressa. Fui inteiramente eu próprio.
                                                                     Perderam-me

*

A VELHA CANÇÃO

Ela chega normalmente às três da manhã,
nem sequer sei se dorme de costas, talvez
enterre a cabeça na almofada, não sei. No Verão,
por esta altura, os pássaros gritam, os homens
transportam em silêncio as canas de pesca e vão para
o rio. Agora os pombos preguiçam mais,
os limpa-neves rangem para aterrorizar,
depois alguns carros moem a lama escura.
Por fim, o pequeno-almoço à luz da lâmpada,
ela deve estar a acordar. Saímos,
ajudo-a a vestir o casaco.

in Marcin Sendecki, Parcelas, Lisboa, Quetzal editores, col. Poetas em Mateus, 2001: 15, 17, 21, 31, 39.

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