terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

sobre as colagens

um grande amigo, de quem prezo a sua opinião e ajuda, tem medo que eu seja mal percebido relativamente às minhas colagens, pelo que sinto em dívida um esclarecimento. porém, para começar devo esclarecer, ou melhor, colocar uma questão: por que  é que uma colagem, no campo das artes plásticas, pode ser tida como obra de arte e pela escrita não? por que é que um verso se apega tanto a um autor e um traço, uma linha, uma mancha de cor, uma figura já pode ser destacada, tirada do seu contexto e valer por si distante do seu criador?

como expliquei antes, a técnica tem a sua ascendência em dada, por um lado e, por outro, no cut-up desenvolvido por burroughs e gysin. contudo, ao contrário destes e de muitos artistas plásticos, acrescento sempre a fonte, ou a origem, o material de origem, bem como pretendo explorar um conceito apresentado por josé gil no seu livro sobre a dança, o de "atmosfera". não faço colagens de todos os poetas que li e muitos livros de poesia que me marcaram nem sequer passaram para colagens. o que me leva, então, a realizar uma colagem? não saberei dizer com toda a certeza, mas nem tudo se deve ao livro ou ao poeta; talvez mais a uma vontade de escrever, de manter a mão activa, de exercício. assim, a colagem, aqui, terá mais o valor de experimentação, puro exercício com fim artístico, uma "obra de experimentação", que tudo deve, antes de mais, ao meu fascínio adolescente - surgido nessa altura - pelas vanguardas artísticas do século xx. que não se entenda, portanto, como elogio à obra de origem; nesse sentido creio só ter realizado, com sinceridade, uma meia dúzia de colagens e o elogio, esse, não é necessário para os autores, a obra deles está aí e deve ser lida: só esse é o seu elogio, bem como o que decorre desse estranho afecto que passa e nos "obriga" a escrever por nosso lado - nesse sentido, uma colagem não provém desse tipo de afecto.

há uns anos atrás um artista plástico fez com que um computador gerasse poemas a partir, se bem me lembro e se não estou enganado, de um programa que procedia por um processo criativo aleatório segundo a poesia de herberto helder. nos dias que vivemos esse processo de colagem tem mais importância que aquele que se processa pelo "computador" que eu sou, que qualquer um é. sim é interessante, o artista e o seu computador, mas e a vida de uma pessoa, as suas experimentações e experiências longe da tecnologia mais sofisticada? que não me entendam mal, é bom que haja mais desses computadores, dessas experiências artísticas e científicas; há sempre qualquer coisa a aprender disso e, por ventura mais importante ainda, saber como pegar nessa "linha de fuga" e explorar novos territórios a fim de cumprir a promessa do homem, que nunca foi cumprida, ou somente engrandecer uma vida.

eu compreendo o meu amigo, dos poucos que, com muito acerto crítico e coragem, me diz tudo o que tem a dizer sabendo até que me magoará; ele prefere que eu me dedique "à minha poesia", que trabalhe na "minha escrita" que perder tempo com as colagens, acima de tudo porque podem ser mal interpretadas, ou seja, entendidas como um pedido, o pedido que intitula este blog - grande erro, esse título de amor a antónio gancho (vejam, é a epígrafe que abre o "ar da manhã"), este blog que não será outra coisa, por ser público, que um pedido de atenção (mas quantos amigos amigos já fiz com este blog!).

(nota: talvez fosse altura de deixar de nomear a fonte das colagens)

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