quarta-feira, 9 de novembro de 2011

O Livro de Pesadelos




SOB A LUA DE MAUD


1

pelo trilho,
neste lugar húmido
de velhos fogos –
cinzas negras, pedras negras, onde vagabundos
devem ter acampado,
moendo-se em águas de riacho,
desospedando-se por pão amaldiçoado,
impossibilitados de se aquecerem numa fogueira de galhos –

paro,
recolho madeira molhada,
corto raspas secas, e para ela
cujo rosto
segurei nas minhas mãos
algumas horas, a quem devolvi
somente para continuar a guardar o espaço onde ela esteve,

acendo
uma pequena fogueira à chuva.

A negra
madeira enrubesce, lá dentro os relógios da morte
começam a correr fora de tempo, posso ver
o morto, de membros cruzados
novamente ansiando pelo universo, posso ouvir
entre a mata molhada o romper
e o re-romper do mesmo abraço sendo rasgado.

As gotas de chuva tentam
apagar o fogo
caiem nele e são
transformadas: o juramento partido,
o juramento acordado entre terra e água, carne e espírito, partido,
para de novo ser jurado,
de novo e de novo, nas nuvens, e novamente partido,
de novo e de novo, na terra.


2

Sento-me um momento,
junto ao fogo, à chuva, digo
algumas palavras ao seu calor –
seixo santo suave seixo – e canto
uma das canções que costumava grasnar
à minha filha, nos seus pesadelos.

Algures longe de mim
um urso negro senta-se só
na sua encosta, acenando de um lado
para o outro. Cheira
o odor dos rebentos, a terra molhada pela chuva,
finalmente levanta-se,
come algumas flores, afasta-se penosamente,
a sua pelugem reluzindo
à chuva.

A banha chamuscada flui
das palavras, o único
recado retido
permanece – um recado de amor
torcendo-se sob a minha língua, como o ladrar do coiote,
arredondando-se, num
uivo.


3

Uma menina
de redondas bochechas desperta
no seu berço. Rasgam-se
as verdes faixas,
um filamento ou paramento
rasga-se, abre-se
a flor azul.

E aquela que nasceu,
aquela que canta e chora,
aquela que inicia a passagem, o seu cabelo
a germinar,
as suas gengivas brotando para a sua primeira primavera na terra,
a névoa ainda se apegando
no seu rosto, põe
a sua mão
na boca do pai, para se apoderar
da canção.

(cont.)

in Galway KinnellThe Book of Nightmares, Boston & New York, Houghton Mifflin Company, 1971: 3-5

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