sexta-feira, 8 de julho de 2011

em cinco dias évora-fès-évora fiz (xxxi)

Andámos mais uma vez de um lado para o outro pela cidade e pela praça. Pelo menos começávamos a ter uma ideia mais clara de Chefchaouen mesmo se fosse de noite escura. Até que num dos últimos cafés da praça havia uma mesa livre e cafeína para servir, melhor dizer cevada. E tivemos imensa sorte porque era exactamente naquele café que se fazia a verdadeira festa. O dono estava completamente fora de si, corria de um lado para o outro, gritava, cantava, chamava pessoas do meio da praça lá para dentro, preparava os cafés, os chás, a comida, batia palmas, pedia emprestada a darbuka a um miúdo que lá estava e zás lá batucava ele, depois corria as mesas e punha as pessoas a bater palmas ao ritmo da música, dançava e dançava, rodopiava e dançava que nem um doido e como estava todo vestido de cabedal, calça e casaco, e com mais uma camisa de algodão, a sua careca, ele era careca, fumegava como uma chaminé e escorria suor por todo rosto. Ele acendia e lançava os foguetes e apanhava as canas, ninguém o parava, fazia de tudo para chamar a atenção dos turistas e eles vinham como nós fomos. Cada vez se sentavam mais pessoas à nossa volta e para fazer inveja, muitos turistas que se sentavam ao pé de nós tinham trazido latas de cerveja e champanhe com eles. Nós estávamos divertidos com tudo aquilo, com aquele cicerone e a música, mas não estávamos propriamente a delirar com a festa. Não sabemos divertir-nos totalmente sem o hábito do álcool, infelizmente. Mas riamos daquilo e com aquilo, que são duas coisas bem diferentes, e sem ofender ninguém. Atrás de nós sentou-se um tipo de outro país e quase não conseguia abrir os olhos de tanta droga fumada, um outro vindo de mota pára à frente do café para falar com os amigos que lá se encontravam sentados e cai para o lado levando mota e tudo chamando a atenção da polícia e do outro lado da rua um miúdo com um lenço na mão que, de cinco em cinco minutos ou menos, levava à cara tapando boca e nariz inalando o que lá estava embebido, talvez gasolina, talvez anti-veneno de peixe-aranha, cola, eu sei lá, só sei que durante as horas que lá estivemos o miúdo não descolou da parede e levava o pano à cara. Tentaram afastá-lo dali, para não incomodar os turistas principalmente, mas o miúdo estava colado à parede e ao lenço. E o dono continuava a festa até chegar a meia-noite. Aí começa a cantar o cumpleaños apagando as luzes e tudo, e todos cantam e batem palmas, e um casal jovem espanhol saca de uma mochila uma garrafa de champanhe e nós a vermos pelo invejoso canto do olho à espera que em tempo de festa se partilhem as posses de cada um. O que fizeram sem lhes pedirmos e ficámos muito agradecidos por aliviar por momentos esse desejo que afinal de tudo é um bocado parvo se pensarmos bem, mas também é bom e eu gosto. Pensávamos que eles estavam a ser muito simpáticos para os turistas já que a passagem de ano para os marroquinos celebrava-se somente a vinte e um de janeiro e ainda por cima, pensávamos também, esperaram pela meia-noite de Portugal. Somos mesmo parvos. Ficámos lá sentados mais uma hora, talvez, e depois partimos para o hotel um pouco desolados de não nos termos divertido como malucos, tal como o dono do café, mas mesmo assim, satisfeitos. Tínhamos nascido, no fim de contas, para mais um ano e já era um de janeiro de 2007.

(cont.)

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