sábado, 25 de junho de 2011

em cinco dias évora-fès-évora fiz (xviii)

Mais ou menos a meio da viagem chamou-nos a atenção uma antiga casa senhorial, com enormes portas de ferro entrelaçado, um imenso hall repleto de tapetes e almofadas, as paredes cheias de pequenos mosaicos e uma fonte seca de calcário bem no centro. Mal demos o primeiro passo lá para dentro para admirar mais de perto a magnificência daquele palácio e aproveitar um pouco daquele fresco, logo nos surge um gordo e grande marroquino com uma djellabba que não conseguia disfarçar a pança de sultão. Convidou-nos a entrar e disse que aquele edifício era uma das mais importantes e antigas lojas de tapetes de Fès, aliciando a S. para trazer os seus dois Ali Babas e ir ver os bonitos tapetes enquanto partilharíamos todos um chá de menta (té à ment). Aliciamento para aqui e para ali, a S. e o T. sempre a negarem e a dizerem que mais tarde iríamos lá e o homem já começava a ficar zangado. Mas com muitos shukran e sorrisos lá conseguimos desenvencilhar-nos do vendedor e seguir caminho pelo rio de pessoas.
De tanto andar, de tanto rodopio, de tanto ver, começámos a ficar com fome. Entrámos num restaurante, mesmo à porta da secção do talho, o Bouanania, baptizado com o mesmo nome de uma das mesquitas que existem dentro da Medina. Restaurante de dois andares, no rés-do-chão era a entrada e a cozinha, no primeiro andar uma sala fresca e escura, decorada com mesas de madeira e tampos de fórmica a imitar mármore, longos bancos encostados à parede com almofadões e mantas numa mistura de cores do azul ao vermelho, passando pelo amarelo e o verde, e bancos singulares de tampo preto almofadado. O último andar, onde ficámos, era um terraço com vista para a souk, para outros terraços, para a Mesquita Bouanania, antenas parabólicas, gatos atrevidos e parte da muralha com a memória da luta pela independência. Tinha o mesmo tipo de mesas e ao invés de bancos sentávamo-nos em cadeiras de ferro. Pedimos os três a mesma coisa, coca-cola e tajine de carneiro. Trouxeram pão espalmado, um pires com pimentão picante, sal e cominhos e comemos que nem paxás, contentes, satisfeitos, agradados com aquela primeira parte do dia. Descansámos o suficiente para de seguida retornarmos à lufa-lufa da vida da Medina. Mas ainda deu tempo para perceber como funciona um restaurante à antiga de Fès. Ali quem manda é o dono e só o dono. Quem nos serve tem apenas o privilégio de nos servir porque a gorjeta, e é obrigatório deixar gorjeta, vai para o dono mesmo se ele apenas nos traz a conta. Nós nem sabíamos que aquilo era assim, senão fosse o próprio dono do Bouanania à descarada e à frente de outros fregueses a fazer-nos sinais, a apontar para ele e a raspar o indicador no polegar, enquanto arrumava uma ou outra mesa e trazia comida para os ditos fregueses. Enquanto o T. escolhia umas moedas o homem continuava como se não fosse nada com ele e mal o T. estendeu a mão com as moedas o tipo, sem sequer olhar para nós, estende a mão e agradece, pondo as moedas no bolso do avental que trazia à cintura.

(cont.)

Sem comentários: