Bom e agora o que fazemos? O T. sugeriu dar mais uma volta pela Medina e ir espreitar as tinturarias de cabedal. Por nós tudo bem e lá fomos. Com voltas e mais voltas, lá acabámos por encontrar as tinturarias. Para quem não sabe, as tinturarias são um conjunto de enormes tonéis cheios de tinta de várias cores onde as peles são mergulhadas e postas depois ao sol. É um pivete insuportável de amoníaco e de peles a serem curtidas ainda com carne a apodrecer agarrada ao cabedal. Os homens trabalham ali debaixo do sol quantas horas forem precisas, de tronco nu e calças arregaçadas em condições horríveis, só que aquilo é um êxito turístico e rende bastante dinheiro. Infelizmente, considerando o que eles nos pediram e considerando o local de onde espiaríamos o trabalho, um terraço por cima do pátio onde tudo aquilo se passava, não vimos nada e mandámo-los à fava. Continuámos a andar e saímos por pura ignorância da Medina.
Onde fomos dar não tinha nada de nada a haver com o local por onde tínhamos andado. De repente parecia-nos, ou parecia-me, que estávamos nos Olivais Sul. Prédios de três a quatro andares, lixo por onde calhasse, um ou outro café, miúdos a jogarem à bola e a andarem de bicicleta. Parámos numa ponte onde por baixo passava uma ribeira seca com canas, na verdade um aterro para o que desse e viesse. Voltámos atrás, reentrámos. Andámos perdidos por ruelas escuras onde nos acagaçámos um bocadinho. Íamos os três descansados da vida numa rua estreita, cabiam apenas duas pessoas lado a lado, e começamos a ouvir um grupo de pessoas atrás de nós. Não havia razões para ter medo, só que para onde nós nos virássemos lá vinham eles atrás, sempre atrás, e nós em silêncio e eles a falarem baixinho e em árabe e nós cada vez mais calados e eles a continuarem atrás de nós e não havia meio de acenderem a porcaria da luz, até que chegámos a uma rua mais ampla e eles ultrapassaram-nos e nós num ufa geral de mariquinhas - valentia ocidental no seu melhor. Uma e outra volta e de novo encontrámos uma saída cheia de táxis e cafés. O T. então lembrou-se de circundarmos a Medina para entrarmos por uma outra porta, a Bab Bou Jeloud ou lá o que era, e assim ficávamos mais perto dos vendedores de tapetes onde ele queria comprar uns. Começámos a caminhada afastando-nos de todo o movimento e de habitações. Andámos e andámos e Bab Bou Jeloud nem vê-la e então andámos mais um pouco. Até que fomos dar a um cruzamento que indicava, através de uma outra pequena ponte, dois caminhos. Um deles, que cortava para a direita, levava-nos de volta ao nosso ponto de partida por uma zona um bocado sombria, o outro caminho era sempre a subir, sem passeio para peões e guiava-nos até meio caminho da porta que queríamos. Enquanto decidíamos por onde iríamos, não sabíamos ainda que os caminhos nos levavam para estes dois sítios, um grupo de rapazes todos dreads aproximaram-se vindos do caminho da esquerda e perguntaram se precisávamos de ajuda. Claro que, como costume, precisávamos e o rapaz que nos interpelou sabia isso, mas dissemos que não. Depois, como é tradição, pergunta-nos se precisamos de um guia e, como também já era tradição nossa, dissemos que não. Ele percebeu que de nós não levaria nada e muito simpaticamente esclareceu-nos do destino dos dois caminhos a seguir à ponte e que ambos eram perigosos, só que nós, todos valentões, fizemos ouvidos de mercador e tentámos a nossa sorte pela esquerda. E obviamente que tivemos de voltar atrás e fomos de novo para aquela porta de onde saímos. Passámos pelo grupo de dreads e o tipo que nos deu informações sorria todo contente com a nossa figura de parvos.
Não sabíamos o que fazer naquele momento, por isso pensámos apanhar um táxi com a ajuda de um miúdo de para aí oito ou dez anos. Esta é uma característica de Marrocos, é de facto preciso ajuda para apanhar um táxi se não sabemos como o fazer. As paragens não servem para nada e normalmente estão cheias de pessoas, mas também não é preciso tirar um curso. É bastante simples até, é quase o mesmo que o jogo das cadeiras, começa música e o táxi chega, andamos à volta das cadeiras, isto é, espera-se que o ou os clientes saiam e quando a música pára sentamo-nos na primeira cadeira à mão, portanto, o primeiro a entrar fica com o lugar e se mais pessoas forem para o mesmo sítio partilha-se o táxi. Quando o táxi parou e as pessoas começaram a sair, a S. perguntou o preço da viagem dali para a Bab Bou Jeloud. Como desconhecíamos o preço normal e a que distância ficava a porta do sítio donde estávamos aceitámos o preço que o taxista disse. Entrámos no táxi, uma carrinha minúscula para quatro pessoas, e lá fomos dar a volta à Medina. Voltámos à vida a que já nos tínhamos habituado.
(cont.)
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