quinta-feira, 19 de maio de 2011

da escrita e do fim

"Desde então, não tenho parado de escrever. Todos os dias acrescento mais umas quantas páginas, todos os dias me esforço por te descrever tudo. Pergunto-me por vezes quantas coisas terei omitido, quantas coisas terei esquecido sem esperança de as reencontrar, mas essas são perguntas que não podem ter resposta. O tempo que me resta é curto e não devo desperdiçar mais palavras do que o necessário. De início, pensei que não demoraria muito tempo - não mais que uns quantos dias para te contar os factos essenciais. Agora, o caderno está quase todo cheio e verifico que mal aflorei a superfície das coisas. Isso explica porque é que a minha caligrafia se tornou cada vez mais pequena à medida que fui avançando. Tenho tentado encaixar tudo nestas páginas, chegar ao fim antes que seja demasiado tarde, mas vejo agora até que ponto me iludi. As palavras não permitem tais coisas. O fim é apenas imaginário, um destino que inventamos para continuarmos a avançar, mas chega um momento em que nos damos conta que nunca chegaremos lá. Poderemos ter de parar, mas isso será apenas porque o nosso tempo acabou. Paramos, mas isso não significa que tenhamos chegado ao fim."

in Paul Auster, No país das últimas coisas, Lisboa, Edições Asa, 2010: 156-157.

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