quarta-feira, 2 de março de 2011

Harold Pinter



Título: Os Anões
Editora: D. Quixote
Tradução: José Lima


Nunca poderei conhecer a fundo – e nesta frase espreita já o pouco de esperança que ainda resta em mim – as atrocidades de uma guerra. Nasci numa época em que a guerra do ocidente mudou drasticamente de paisagem, do campo para a sala de conferências, ou noutros gabinetes, ou até mesmo na mais prazenteira e familiar das casas. As minhas guerras são as dos outros, o que não quer dizer as minhas revoltas. Por isso reafirmo, nunca saberei ou sentirei – que é um modo diferente de saber – uma guerra, os seus efeitos ou quase-efeitos no meu corpo, na minha vida (poderão ler aí “alma” se assim quiserem), visíveis e gritantes como amputações, queimaduras, cegueiras, paralisias, ou invisíveis e domadas por esse ritmo silencioso e tempestivo que preenchem tantos volumes de ciências patológicas, depois de, por exemplo, a Iª Grande Guerra.
A verdade é que o Acontecimento-Guerra, entre tantos outros mas este em particular, arranca ou põe a funcionar no homem – homem? – forças opostas, contraditórias. Umas em grande furor direccionadas à destruição louca, insensata, à perturbação e ao gesto cego que cruelmente adjectivamos de animal. Outra tem a capacidade de formar ilhas no meio da devastação e que, podendo igualmente ser destrutiva, parece sugerir uma confiança, uma nova hipótese, a possibilidade de que alguma coisa vale a pena. Nesta segunda força incluo as obras de arte – para mim em tudo semelhantes aos anjos feridos antes, durante e depois da batalha no céu no livro VI do “Paraíso Perdido”.
“Os Anões” de Harold Pinter (1930-2008) tem qualquer coisa disto. Nesta obra, escrito entre 1952-1956 e somente revisto e publicado em 1989 – mantendo-se como o único romance de Pinter na sua longa carreira de dramaturgo, poeta, argumentista, actor, encenador e activista político – o autor britânico cria quatro personagens perturbantes, perdidas, de qualquer modo humilhadas, todas elas mergulhadas num ambiente absurdo – como em muito dos seus textos para teatro –, alucinantemente vazio de emoções e códigos morais ou éticos. Quatro personagens em fervente deambulação de pensamento, cada um por si, parecendo por vezes como que longos monólogos cortados, diálogos de surdos; ou devaneios ao longo de uma cidade suja. Não há, propriamente, um tempo onde situar a acção; temos aqui e ali, dados pelas personagens, indicações, referências da passagem do tempo, das estações, das horas; e por isso toda a narrativa se lança numa intemporalidade desanimadora – se pensarmos que possa ser um futuro, o nosso – ou jogada na suspensão do exemplo, como me parece ser o caso. Obviamente que se trata da minha leitura, uma que acaba por tornar concreta uma narrativa abstracta. Mas quando me deparei com uma simples frase que indica um lugar muito próprio: “Passaram por um terreno vazio, que ficou dos bombardeamentos” (219 e ligeiramente modificado em 223); de imediato enquadrei o romance num tempo particular, o de um pós-guerra, que poderá ser e não-ser simultaneamente o tempo d’”Os Anões”. De realçar a notória influência da escola teatral da Pinter, pela forma como está composto todo o texto: solto de elementos descritivos, diálogos rápidos, monólogos psicologistas ao estilo do monólogo interior joyceano, um ritmo forte e fluente, acabando, este texto, por ter sido adaptado pelo próprio autor para a cena.
Um bom começo enquanto esperamos as obras completas em teatro deste autor.

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