segunda-feira, 7 de março de 2011

arkaneftá (5)



estes dois amantes, serão reais? talvez um dia ou talvez já o sejam, pelas ruas ou pela própria idade de cada um, que carregam levemente com os ombros colados um ao outro. como dois transeuntes, passam incógnitos nas cidades, no profundo anonimato comum e complacentemente de acordo por todos, em meio de ilusão, sorriem, olham, tocam. cerrados os lábios, sussurram o nervoso rente aos passeios, e este sussurrar vai cessando até às raízes de suas flores aniquiladas, por pés e rodas, gritos, buzinas. cessa porque, numa cidade de catedrais de sons, eles quedam-se na desnecessidade de dizer ou comentar seja o que fôr. eles trazem, guardado nas suas bocas, o grande silêncio para se habitar.
para este isolamento, que as cidades fazem pesar, pressionando os ouvidos, só em gestos poderemos socorrer o êxtase, o desconhecido relâmpago e a sua força sombria, dos amantes ou do poeta, afogados, quando estes são tomados por um animal adormecido no lixo, ou por uma flor hipnotizada para se trazer no cabelo ou na lapela. mas nas suas lápides, quem lhes depõe uma que seja?

enquanto caminhavam nessas ruas de febre, viram o poeta e estancaram os três, apresentando-se o um aos dois e os dois ao um. de longe assemelhava-se apenas a um encontro de um velho com duas crianças, ou somente um velho olhando-se a um espelho alquímico, reflectindo o seu invertido inverso:
uma jovem e
um jovem de
mãos dadas
completamente nús em frente dos seus semi-cerrados olhos - se eles eram uma pedra e uma flor unidas, a voz do poeta era um sino a retinir no princípio da noite, pronto a libertar os morcegos.
era uma vida verdadeira, que eles enfrentavam no confronto mais amoroso das palavras ébrias, murmuradas aos ouvidos, como um dia órfão contornado pela voz entre as águas tão verdes, tão cristalinas como os olhos escuros do poeta, mergulhadas no sono, recortadas pela vida quimérica das pedras, se libertas. não para uma voz dura que trespassa de uma garganta até à espinha, que treme na sua vizinhança mineral.

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