sábado, 5 de março de 2011

arkaneftá (3)



mas o desejo abrupto, onde todo o homem e mulher escondem a sua dor, num jogo de espelhos sujos, no lírico de estreitos vasos puros, onde florescem os lírios e jarros delirantes - essa dor fundamente opaca, de mistérios, de profundo fogo do mundo, em que mergulham de mãos dadas e onde se deixam submersos na grande ideia da noite rolante, da estupenda noite em que se conhecem e se tornam a reconhecer - esse mergulho, esse segredo que cantam entre dentes, fá-los concretos.
os amantes são, minuto a minuto, mais concretos, neste mundo tão concreto. procuram um amor concreto, entre signos e sombras que, até na treva de uma carne batida como um búzio e por trás de tudo, se encontre, como no mistério do pôr-do-sol nas heras e nos musgos perfumados pela última luminosidade, num lugar muito puro de uma pessoa por vir do seu amor concreto.
e pelas mãos dadas no lago frio e estrelado, o corpo pensa, esgota-se, nutre-se na selvajaria das algas que flutuam à sua volta, enrolando-se nas suas cabeças geladas sobre a corrente pura do terror da lama, que se revolve a cada gesto amoroso, num tremendo silêncio.
e de mãos dadas, ressurgem audaciosamente do fluxo da noite plúmbea da água, até ao roxo do jacarandá. encontrando posições onde as mãos se percam na carne.

- só encosto a testa ao oculto fogo dos nomes que cantam, quando a garganta se esbater numa outra garganta, entroncando-se os corpos até arderem no luto. porque a vida de um homem, restrito ao sexo de homem e às suas máquinas físicas, com a sua vida tão lenta, da sua terrível vida sem remédio, até ao salto mortal no trampolim de outra galáxia, entrando de costas e de pálpebras descidas no seu espírito, docemente cobertas de sangue, docemente fechadas olhando a mentira de si ao mostrar-se aos outros, ou apenas docemente - tudo isso e a garganta e a testa de estrelas e os olhos de gás e a língua de cão no pensamento.
sobre o ruído da ressurreição e a sua ressurreição, de certeza que hei-de morder cristo no calcanhar, espetar-lhe novos pregos ou cortar-lhe a língua para nunca falar e, antes de tudo, pedir-lhe que diga realmente a verdade de toda uma inocência que estremece o homem até às bases: tudo foi invenção, porque ele era já o anjo do apocalipse e falou do caminho para esse fim.

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