sexta-feira, 4 de março de 2011

arkaneftá (2)



dormindo e acordando onde existe o meu sangue. o perfume da tua noite e o lento desejo do teu corpo na confusão da carne, enterrando-se na areia ou na cama fria, onde, por vezes, tento escrever, não sei ainda por que razão de homem, uma palavra que traduza completamente o pensamento - e o poema faz-se contra a carne e o tempo.

e persisto, quase de olhos fechados, encostando-me a ti, que dormes sossegada, em entrever, num relance selvagem e abrupto, a forma das coisas, de um pensamento sobre os meus ombros. tentativa após tentativa, frustrada, agarrando-me à tua barriga, o meu corpo todo colado ao teu, e antes de cair, procuro o espírito caído dentro da forma que é o meu corpo, inadequado às tensões puras do degelo da noite, na inspiração da cabeça, onde o ardor da criação, guardado devagar e tão oculto como os pesadelos dos dentes, se inspirasse daquilo que o espírito calou como luz indivisa, que se escoa do meu corpo e que acabo por nunca fruir da sua incandescência, mas apenas da alegria da minha vida, ao tumulto das sombras, ao barro vermelho do céu, ao espasmo tremendo da inocência, onde a lua desce rapidamente transfigurada e traz sua pureza aguda e legítima sobre os nossos sonhos, que nunca lembro e nem escrevo.

mordes-me o ombro até o tempo se urdir - de esplendor o amor feroz, para fora da terra, para fora da luz, da sombra, do tempo obscuro, do prazer inominavelmente resplandecente de luzsombra - no sinal ardente e incorrupto.
os dedos a tocarem-se. os dedos vazios - e o sonâmbulo desejo do coração é uma coisa materna e antiga sobre as prateleiras a transbordar de livros e de risos ainda por respirar, onde lá vamos sempre dar, com os dedos ou os olhos pesados e enublados do acordar de ainda há pouco.
escrevo-te este poema-romance, ou simplesmente poema, onde não existem personagens. apenas nós com estes reflexos de devir e protestos. estas são as palavras e o acto carnal irremovível, num lugar onde a sombra é gémea das palavras ressoantes, que os mortos maravilhosamente pesam no tempo, para onde devemos seguir com máquina fotográfica e o caderno de anotações que me ofereceste.

- porque era de ouro firme e ressoava loucamente - disse a fêmamante, num sopro adequado para as imagens que se evolavam do cigarro suspenso, nos lábios tristes do machamante.

embora as imagens escapassem, já estava demasiado mergulhado no gélido e mórbido poema:

- a morte é passar como rompendo uma palavra ingénua. vai-se revelando à força da noite das minhas mãos, sobre a minha vida. o meu sonho, talvez o mais profundo, seria tornar a minha vida inteira como um livro junto à eternidade, ou encontrar uma pureza do mundo, alterosa e quente, na minha mão pormenorizada.
(existe sempre um leve desvio egocêntrico, quando pensamos na vida)

ela diz: és um pouco egocêntrico.

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