quarta-feira, 23 de março de 2011

arkaneftá (18)

os velhos dizem que o mel novo enlouquece as pessoas, mas eles não eram loucos, mesmo quando ouvi gritar na rua. os amantes eram um mel organicamente puro que, se todos o provassem não endoideceriam, apenas despertaria os homens para a estupidez dos homens, tornando-os outra coisa e a vida entraria numa osmótica dança pelas membranas que respiram com a luz.
era apenas isso que eles queriam oferecer, embora quem visse a queimadura que se esculpia nos seus corpos, pensasse que eles teriam assassinado um rei, violado uma criança, destruído um país, quando eram eles o rei, a criança, o país onde a voz rebenta na carne rasgada quase até aos ossos. os seus rostos de lama, eram os rostos que se aproximam da morte, das pedras com as fendas da erosão, com a fundura cristalográfica interrompida das caras por vir, as futuras caras.
as suas faces, que ainda despontavam a beleza das auroras boreais, aproximavam-se da minha cara. queriam dizer-me alguma coisa, no entanto, os seus esforços eram vãos e eu cravava os dentes nos meus lábios para sangrarem também, para eu ser a força entre a força dos rostos que têm ódio contra deus.
eu queria matar todos os homens depois de matar os amantes. eu desejava que tudo parasse, que eles não tivessem vindo, meu amor, porque se tu alargas os braços no meu redor, desencadeia-se uma estrela de mão e seremos nós a partir (partamos); se a corda fica aberta entre o poema e o mundo, entre o sangue estrangulado na minha memória, quem falará dos amantes se os poetas estão mortos? oh e onde estarão eles agora, onde? neste desejo que é tão feroz, agarrando toda a cama aos músculos, às vértebras quebradas dos amantes, aos poros?
nas trevas do coração - toda a minha mão se assusta, não sei se me quero lembrar mais dos amantes, mas também não os quero trair - nas trevas do coração - ouço-os respirar no sono da dor atroz zoando entre os risos dos algozes, violando os amantes, enfiando os seus nojentos pénis - nas trevas do coração - todo o meu corpo transpira e treme de horror com o pénis do amante estilhaçado a meus pés - nas trevas do coração - porque eu morro da minha vida grave: gritavam os amantes sem nunca pedir misericórdia - nas trevas do coração - a longa pálpebra inchada descai sobre o olho no espelho, onde se entrevê o veludo das chamas erguendo-se altas - nas trevas do coração - e as imagens pululavam por todo o quarto, como se fosse todo revestido de espelhos e de morte, como pelas artérias se cose uma esperança nado-morta e - nas trevas do coração - no meio da carne dos amantes, como no fundo da noite, os obscuros fulcros da loucura enchiam o meu coração de trevas.

Sem comentários: