segunda-feira, 21 de março de 2011

arkaneftá (16)

(estive agora na memória, buscando as imagens de quando era criança frente ao fogo do futuro e lembro aquelas chamas com seus fulcros de oxigénio queimando as palavras e o sistema planetário naqueles dois seres, de pés e mãos para o outro, a ver se se tocavam. estendia a mão para eles, ou seria para o fogo? e sob os dedos, como um nervo puxado pelo avesso, como os olhos das caras que sentia nas minhas pequenas costas arqueadas para apanhar o fogo com todo o corpo, sentia bater-me o coração em cada fagulha solta que me caía na mão, juntando-se às lágrimas que me caíam também, ao vê-los... e agora, queima-se em mim, nervo a nervo, fio a fio, as omoplatas em arco, quando me lembro, antes de desviar o olhar deles (e do fogo agora ou antes do poema), os dois arqueando-se para se protegerem daquelas mãos que os agarravam e os aproximavam do fogo).

pulsava o ar nas chamas daquele quarto, nas minhas e nas suas costas, e o coração ribombava, como bombas caíndo, nos meus ouvidos, naquele silêncio sob o choque do ouro estagnado no tórax e no rosto. um dos homens forçava-me a ver, virando-me para as imagens que jorravam do espelho, como num sonho febril, os corpos a serem empurrados para as chamas e o pânico que sai assim do corpo em torno do sexo.
as rosas que pintalgavam o quarto, expiravam pelo orifício dos seus caules e, no meio do sangue de suas pétalas, a dor dos amantes cravava-se funda em leves sulcos onde se desenhava a paixão - porque as labaredas iluminavam aquele amor que eles não queriam soltar, com urros de pavor que se prolongavam pelas unhas que se enchiam de terra, com o olho activo naquelas órbitas como o centro de uma flor sonhada que os homens nunca encontrarão - no movimento solene das casas. oh e a morbidez daqueles anjos com os castiçais erguidos perto das suas caras, criando sombras soberbas nas paredes, afrontando os regos das esquinas daquelas paredes, amarelecendo e encharcando-se com o sangue dos amantes, escorrendo, formando artérias na voragem entre a boca e o ânus, pontos de fuga daquele amor puro que fui anotando, até chegar aqui, guiado por eles e obrigado a assistir pelas mãos ignóbeis de um homem.

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