sábado, 19 de março de 2011

arkaneftá (14)

os dois amantes, abraçados, sentem o medo a irisar as sua peles, como se fosse o mal a escorrer do crânio por dedos negros, fechando-lhes os olhos, afastando-os um pouco, pois mesmo abraçados o medo afasta, por segundos, o amor quando o pânico se entrelaça nos braços, e o medo expande-se em todos os sentidos, em brutais golfadas de sangue pelas artérias e veias, e os dois amantes sem vícios de beleza ou graça dão um beijo para se acalmarem. depois apertam-se com a força aglutinadora do amor que tenta explodir pela pele até estalar os ossos pelo aperto. então acalmam-se, como as poças e as flores depois da chuva gotejando apenas pequenas gotas criando ondas multicolores. mas que medo era este, depois da alegria total de uma tentação dos dedos? este medo não tem nome, pois eles são um homem e uma mulher de frente ao brutal e horrível mundo nuclear.
através deles, com a ingenuidade de um poeta e a inocência de um recém-nascido, que abre os olhos pela primeira vez vendo a beleza que o mundo ainda contém, penso que se há-de encontrar um nó da resposta, quando tudo pergunta a caminho da escola, a caminho do trabalho, carimbando, varrendo a rua, cortando mais uma costeleta, contando os trocos, na greve, no metro, na autocarro, no carro particular, o pianista no concerto, o actor antes de entrar em cena, o bombeiro que se deita para descansar, antes do próximo chuto o drogado, durante o roubo o ladrão, todos, até os “magníficos” quando se esquecem de si e do seu egoísmo no segundo antes de decretarem a próxima guerra ou de carregarem no botão que despoletará a próxima tempestade de pó atómico - onde a coisa para saber dessas coisas; e depois apenas o corpo onde é o sítio de nascer sobre a escrita impossível. oh se todos se esquecessem de esquecer.

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