terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

meu amor morto e o seu caderno preto (uma narrativa) - Benjamim Machado

VI

Lembrava-se disto Benjamim Machado naquela manhã de Março no seu pátio em frente à cidade velha enquanto enrolava um cigarro de Amber Leaf.
“Passaram já seis anos desde aquele nosso encontro, minha musa. Seis anos desde que te vi e te perdi. Seis anos já que te escrevo, sem saber se lês o que te endereço. Seis anos sem saber se gostas, se te sentes orgulhosa do meu trabalho, se alcancei as tuas expectativas. Muitas vezes me perguntaram quem tu eras e eu apenas dizia que tu eras a minha musa, a minha inspiração, o meu amor e o teu nome todos e nenhum. Dizia que tu eras Laura, Beatriz, Nora, Paula, Dulcineia, Urânia, uma condenada à morte, June, Margerie, eu sei lá. Em segredo dava-te um nome, um pequeno nome, com cinco letras e dizia-o para mim quando ninguém me ouvia. Ninguém sabia de ti a não ser eu.
Seis anos passaram já e continuo a procurar-te. Faço minhas aquelas palavras que dizem «em todas as ruas te encontro / em todas as ruas te perco / conheço tão bem o teu corpo / sonhei tanto a tua figura / que é de olhos fechados que eu ando / a limitar a tua altura» . Sei que existes mesmo se não te encontro e sei que tens estado sempre aqui do meu lado, como quando te encontrei no Cabana e te sentaste quando mais ninguém se importou comigo. Por causa de ti vivo só disto e sinto-me feliz. Sou feliz por causa de ti. Aquilo que vi no espelho do Cabana há seis anos, quando todos olhavam para mim com admiração e reverência, saiu do reflexo e por onde ando é isso, quero dizer, por onde ando todos me olham com admiração e reverência, quando antes eu apenas era um desconhecido, um anónimo, um Zé-ninguém. Agora, quando olho para um reflexo vejo o inverso, ninguém realmente me liga e infelizmente a tua cara, a única que procuro, não está lá.
Desculpa se não é isto que querias ouvir, porque sei que me ouves, mas preferia ter te dito para teres ficado e não me tivesses concedido o desejo. Amo-te e sinto-me só. Só, percebes. De que é que serve afinal amar-te se estou só, se me sinto só? Quero que me abandones e que voltes para mim. Do teu espírito quero o teu corpo e onde o teu corpo estiver estás tu e eu poderei continuar à mesma, porque não estando tu aqui, e já escrevi o que escrevi, imagina só contigo sempre do meu lado. Imagina, imagina-nos juntos, um ao lado do outro até que um morra e depois o outro , imagina-nos juntos aqui ou em qualquer outro lado, tu e eu, eu e tu, imagina.
Quando é que voltas? Partiste tão cedo, tão cedo a altas horas da noite e nunca mais voltaste. Subiste a rua e desapareceste, por entre todos os corpos, por entre todos os homens e mulheres, talvez por entre as paredes, por entre as pedras da calçada, talvez, talvez, talvez apenas tu me possas dizer…”
Nisto, enquanto Benjamim andava nestas andanças, enquanto ia dizendo e escrevendo os seus temores e desejos, dizendo em voz alta e apontando para ela a sua saudade do que nunca teve nem sequer um contacto, foi repentinamente assaltado por uma ideia. Uma ideia que, de certo modo, o assustou, tão tomado que estava pela força daquela mulher. “Como é que eu nunca pensei nisto, meu Deus, onde é que estava a minha cabeça, Deus meu, que estúpido e distraído, porque é que eu não…já que ela não… e se ela não, eu então…”.

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