Todos sabemos que o destino não tem destino,
sabemos que o destino passa frio
numa rua escura,
num deserto habitado apenas pelo vento.
Só não o dizemos a ninguém,
preferimos calar que o destino
anda dentro dos bolsos da noite,
preferimos escondê-lo na tristeza
snobe dos escritores de canções.
O destino, essa cadeia infame que nos prende,
nos adestra e nos mantém
morrendo para dentro de um poema.
Todos sabemos que o futuro não tem destino.
É essa a razão da nossa trajectória:
a seguir a cada argumento,
uma vaga precavida de calor
para que nos comportemos bem
à porta da sabedoria.
Todos sabemos que a medida do destino
é o fumo esvaindo-se no ar,
o ar adaptando-se aos pulmões,
os pulmões crescendo para fora do peito,
quebrando os ossos,
saindo-nos do corpo
como se fossem uma bomba engolida
que depois estoura dentro de nós
e espalha tudo numa página
sob a forma de um poema
e nos desfaz em partículas invisíveis
e nos funde com as horas absurdas
deste desconsolado final do dia.
Todos sabemos o que é o destino.
Caberá ao destino saber quem somos nós.
in A danças das feridas, ed. do autor, colecção insónia, Caldas da Rainha, 2011: 47-48.
(NOTA: para os interessados a adquirir este livro ter em atenção isto)
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