segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

um discurso inútil

É a morte é a vida
É o que lhe queiram chamar
Eu aqui tu deitada
Tudo já sido ido e tido
E tudo ainda por vir
Ou nunca chegando e esperado
Porque amanhã
Sim amanhã
Tudo virá outra vez
Mas um pouco
Mais um pouco
Mas de lado
ligeiramente
inclinado tantos graus quantos a terra
tiver separado e continuamente
separa os pólos um do outro
o real do magnético norte
e o mar e as ondas
da areia em cada praia
de cada grão e é tudo
novo sempre e a cada vez.
Toca o sino ali na igreja de Conceição
E eu aqui e tu deitada
É a vida é a morte
E é a noite longa à hora do inverno
E o corpo a amar à hora do verão
E eu sou inútil a todas as horas
Inútil sentado aqui e tu deitada
Inútil em cada palavra escrita
Inútil em cada palavra lida
Inútil na rua na cozinha em viagem
Inútil porque nenhum pensamento é meu
Inútil porque inutilmente tento tudo fazer tudo pensar tudo escrever
Inútil o bom dia ao vizinho
Inútil o papel de anos de estudo
Inútil o teu clic clic e pip’s futuros numa caixa registadora
Inútil a conversa virtual e o amigo aí tão perto, basta comprar um bilhete virtual para um lugar virtual junto a uma janela virtual ao longo da melhor das paisagens possíveis neste melhor dos mundos possíveis
Inútil o cigarro que acendes e inalas a plenos pulmões, não penses que aceleras a morte ou abrandas a vida, elas sempre estiveram aí e acontecem quando acontecem sem fatalismos ou estradas traçadas
Inútil o braço esticado pedindo outro braço que se lhe junte, o olho sempre olha outro lado
Inútil o dinheiro acumulado para sete vidas se uma única te cabe inutilmente
Inútil o grito o urro o uivo, que talvez soe por aqui neste inútil desabafo que não será lido
Inútil o sorriso aos pés da escada e o teu amor ao cimo
Inútil o silêncio porque nele morrerias
Inútil, parece, continuares
Inutilmente
E continuas…

(como homem sou o pior
dos desastres, estrela fora
dos eixos e em queda).

(...)

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