sexta-feira, 2 de julho de 2010

Sylvia Plath

túlipas


As túlipas são excitantes de mais, é inverno aqui.
Vejam como tudo está branco, que silêncio, tudo coberto de neve.
Estou a aprender o sossego, deitada sozinha silenciosamente
Enquanto a luz persiste nestas paredes brancas, nesta cama, nestas mãos.
Não sou de ninguém; não tenho nada a ver com explosões.
Dei o meu nome e a minha roupa às enfermeiras
E o meu historial ao anestesista e o meu corpo aos cirurgiões.

Têm-me aconchegado a cabeça entre a almofada e a dobra do lençol
Como um olho entre duas pálpebras brancas que não se fechassem.
Estúpida pupila, tudo tem de deixar entrar.
As enfermeiras passam e voltam a passar, não incomodam muito,
Como gaivotas em terra, assim passam elas com os seus toucados brancos,
Fazendo coisas com as mãos, uma igual às outras,
Por isso é impossível dizer quantas são.

Para elas o meu corpo é como um seixo, cuidam dele como a água
Cuida dos seixos que necessariamente cobre, afagando-os com suavidade.
Trazem-me torpor em agulhas que brilham, trazem-me o sono.
Agora que me perdi de mim mesma e estou tão farta destas coisas -
Da mala de fim-de-semana envernizada como uma caixa de comprimidos preta,
Do marido e do filho sorrindo num retrato de família;
Os sorrisos deles prendem-se-me à pele, pequenos anzóis sorridentes.

Deixei andar as coisas, um cargueiro de trinta anos
Teimosamente fundeado no meu nome e na minha morada.
Eliminaram as minhas relações com o amor.
Amedrontada e sem roupa na cama de rodas com almofadas de plástico verde.
Vi passar o meu serviço de chá, as minhas gavetas do linhos, os meus livros
A irem ao fundo longe da minha vista enquanto a água me cobria a cabeça.
Agora sou uma freira, nunca fui tão pura.

Eu não queria flores, apenas queria
Estar deitada de mãos postas e ficar completamente vazia.
A liberdade que isso é, nem imaginam a liberdade -
O sossego é tão grade que inebria,
E não exige nada, uma etiqueta com o nome, algumas coisas de nada.
É o que os mortos levam consigo, ao fim e ao cabo, imagino-os
Fechando a boca sobre ela, como a uma hóstia.

Antes de mais, as túlipas são demasiado vermelhas, ferem-me.
Mesmo através do celofane oiço-as respirar
Levemente, através das ligaduras brancas como um bebé feio.
O seu vermelho fala à minha ferida e ela corresponde-lhe.
Como são subtis: parecem flutuar mas sinto o seu peso em mim,
Incomodando-me nas suas línguas inesperadas e com a sua cor,
Uma dúzia de chumbos vermelhos à volta do pescoço.

Ninguém me ligava nada, agora sim.
As túlipas voltam-se para mim, atrás de mim a janela
Por onde uma vez por dia a luz lentamente se espalha e lentamente mingua,
E eu vejo-me, sem graça, ridícula, uma sombra de papel recortado
Entre o olho do sol e os olhos das túlipas,
E sem rosto, tenho querido apagar-me.
As túlipas vívidas alimentam-se do meu oxigénio.

Antes da sua chegada o ar estava calmo,
Ia e vinha, a cada respiração sem grande agitação.
E depois as túlipas vieram ocupá-lo como um ruído estridente.
Agora o ar corre turbulento à volta delas como um rio
Corre em torvelinho à volta de um velho motor ferrugento.
Nelas centro a minha atenção que antes brincava e repousava
Feliz sem se comprometer com nada.

Também as paredes parecem estar a ganhar vida.
Deviam pôr as túlipas atrás das grades como aos animais ferozes;
Vão abrindo como a boca de um desses felinos de África,
E eu compreendo o meu coração: quando se abre e fecha é como
Um vaso de flores vermelhas pulsando de amor por mim.
A água que provo está quente e salgada, como a do mar,
E vem de um país tão longínquo como a saúde.


in Ariel, Relógio D'água, trad. Maria Fernandes Borges, 1996: 30-35

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