terça-feira, 6 de julho de 2010

A queda de Ícaro de Brueghel, visto por William Carlos Williams e W.H. Auden




Paisagem com a queda de Ícaro

De acordo com Brueghel
quando Ícaro caiu
era primavera

um lavrador arava
os seus campos
todo o esplendor

do ano
formigava ali
à

beira do mar
consigo mesmo
preocupado

suando ao sol
que derretia
a cera das asas

perto
da costa
houve

uma pancada quase imperceptível
era Ícaro
que se afogava

in Antologia breve, Assírio & Alvim, col. gato maltês, trad. José Agostinho Baptista, 1995: 85


Musée des Beauxs Arts

Quanto ao sofrimento nunca se enganaram
Os Velhos Mestres: como entenderam
A sua morada humana; como acontece,
Enquanto outros comem ou abrem uma janela ou dão um passeio obscuro;
Como, no momento em que velhos esperam reverente,
Apaixonadamente, o nascimento milagroso,
Há crianças que nem sequer o desejam, patinando
num lago, na orla do bosque:

Nunca esqueceram
Que mesmo o martírio mais terrível deve ocorrer
De forma ocasional numa esquina, num local sujo
Que os cães frequentam na sua azáfama canina, onde o cavalo do torcionário
Coça o traseiro inocente numa árvore.

No Ícaro de Brueghel, por exemplo: tudo volta
Pacificamente as costas ao desastre; o lavrador terá
Ouvido o mergulho, o grito desamparado;
Mas, para ele, não foi um fracasso importante; como de costume,
O sol brilhava nas pernas brancas que desapareciam na água
Verde; e o frágil, luxuoso barco que terá visto
Algo espantoso, um rapaz caído do céu,
Tinha um destino a atingir e para ele suavemente navegou.

in, O Massacre dos Inocentes, uma antologia, Assírio & Alvim, col.Documenta poética, trad. José Alberto Oliveira, 1994: 13.

(imagem retirada da net)

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