terça-feira, 8 de junho de 2010

poema vertical




não sei se tudo é deus
a palavra que se diz fora do mundo,
como um amor secreto
e algo começa a contar tudo de novo a partir dessa diferença.
ou talvez o que se segue
e o ruído que sela os amores
com os olhos fechados.

um resto de olhar
o mais solto silêncio
ou talvez tão-só
o jogo fica fora de nós
essa incisão de dupla face
sonho que sonho
o resumo do ser.
o nascimento, a morte e uma flor
da solidão e da companhia
para me provar que não existe o olvido

mas a realidade já não oferece garantias
duas palavras fazem-na desaparecer.

mas para quê calar?
lembranças que não sabemos de quê, mas lembranças,
as que nunca o foram
dizer um nome de outro modo.

há que pôr o pensamento no lugar do ar
o que há entre um e um
e avançar como um deus contra as sombras
porque também os deuses
com a sensação irreprimível
até na morte
é tão-só a sua sombra

para ganhar um rosto de palavras
todas as coisas são também as primeiras
não estão em lugar nenhum
no entanto
de onde vêm estas imagens?
que não parecem erguidas
possíveis e impossíveis
de criar um lugar
lá onde ela não está.

deixa-me falar
só deus não me dói hoje.
e nesse pátio brinca um menino
também dorme
como a água descansa da água

que fique no seu repouso de texto
a espera desinteressada de toda a forma de espera
de nós mesmos

só chega ao solo
o sopro que ajudei a nascer.

a partir de Poesia Vertical de Roberto Juarroz

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