quinta-feira, 3 de junho de 2010

Emma Santos




Telefono-lhe (agora) – a sua amante está na escola:

– Amo-te.

– Vi o teu nome no Le Monde com outro escritor, não precisas de amor.

Sonho com um homem com o sexo duro violento que entra em mim com ternura.

Ele que pare de fazer de mim, uma mulher de papel.

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O psiquiatra colocou então duas camas no seu gabinete.
Uma para ti.
A outra para mim.
Falamos ao mesmo tempo. Não se compreende nada.
Tu dizes: «É para compreender, compreender a nossa vida em conjunto.»
E gritamos os dois mais alto.
Sinto-me melhor. O grito vem do ventre agora que as palavras afloram os lábios. O psiquiatra entedia-se, olha pela janela, lê Le Monde ou deixa-se estar sentado entre nós com a crispação de um homem que não pode mais defecar.

Eu não quero explicar a nossa vida com palavras, mas com cheiros.

Cheiro do tomilho na chaminé.

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As mulheres costuraram nas fábricas sutiãs negros e cintos de liga cheios de rendas vendidos por homens e recomprados pelas mulheres para o prazer do homem.

As mulheres escrevem e os homens vendem as palavras delas.

Escreve-se mulher.
Mas atenção.
Mulher = homem
Mulher > homem

Entro no silêncio.

Gritou-se muito como megeras do tempo passado, elas mudaram verdadeiramente (?), ou fizeram-nos perder o homem. Que novo racismo?

Eu acreditei nelas.
Encontro-me só.

Falta-me o teu ombro e farto a minha boca com tranquilizantes para devorar a morte.

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Viveu-se dez anos como no tempo da idade da pedra, entre a chaminé e a fonte.

Eu digo na «reunião»:

– Eu não tinha nada, nem mesmo um robe.

Tu respondes:

– Rimo-nos tanto na nossa merda.

Cedo aos teus olhos. É verdade. Rimo-nos muito no nosso quarto.

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Espera segunda-feira ao meio dia. Chego uma hora adiantada, tu sempre atrasado, virás?
Telefonar-me-ás ou deixar-me-ás o silêncio?
Espero o «silêncio».

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