terça-feira, 8 de junho de 2010

dois poemas de roberto juarroz



Um amor que vá além do amor,
por cima do rito vínculo,
além do jogo sinistro
da solidão e da companhia.

Um amor que dispense o regresso,
mas também a partida.
Um amor não submetido
aos fogachos de ir e voltar,
de estar despertos ou adormecidos,
de chamar ou calar.

Um amor para estar juntos
ou para não estar,
mas também para todas as posições intermédias.

Um amor como abrir os olhos.
E talvez também como fechá-los.

*

Há poucas mortes inteiras.
Os cemitérios estão cheios de fraudes.
As ruas estão cheias de fantasmas.

Há poucas mortes inteiras.
Mas o pássaro sabe em que ramo último poisa
e a árvore sabe onde termina o pássaro.

Há poucas mortes inteiras.
A morte é cada vez mais insegura.
A morte é uma experiência da vida.
E às vezes são precisas duas vidas
para poder completar uma morte.

Há poucas mortes inteiras.
Os sinos dobram sempre o mesmo.
Mas a realidade já não oferece garantias
e não basta viver para morrer.


Roberto Juarroz, Poesia Vertical, Porto, Campo das Letras, ant. trad. e notas de Arnaldo Saraiva, 1998: 26 e 28. (imagem retirada da net)

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