Um amor que vá além do amor,
por cima do rito vínculo,
além do jogo sinistro
da solidão e da companhia.
Um amor que dispense o regresso,
mas também a partida.
Um amor não submetido
aos fogachos de ir e voltar,
de estar despertos ou adormecidos,
de chamar ou calar.
Um amor para estar juntos
ou para não estar,
mas também para todas as posições intermédias.
Um amor como abrir os olhos.
E talvez também como fechá-los.
*
Há poucas mortes inteiras.
Os cemitérios estão cheios de fraudes.
As ruas estão cheias de fantasmas.
Há poucas mortes inteiras.
Mas o pássaro sabe em que ramo último poisa
e a árvore sabe onde termina o pássaro.
Há poucas mortes inteiras.
A morte é cada vez mais insegura.
A morte é uma experiência da vida.
E às vezes são precisas duas vidas
para poder completar uma morte.
Há poucas mortes inteiras.
Os sinos dobram sempre o mesmo.
Mas a realidade já não oferece garantias
e não basta viver para morrer.
Roberto Juarroz, Poesia Vertical, Porto, Campo das Letras, ant. trad. e notas de Arnaldo Saraiva, 1998: 26 e 28. (imagem retirada da net)
Sem comentários:
Enviar um comentário