sexta-feira, 21 de maio de 2010

últimas palavras antes de finalmente adormecer e escritas ao acordar

quando os burros desaparecerem
por completo, quais serão
os argumentos de recusa
aos mortos, mário? e as latas
batidas pelos oceânos
chicotes às escondidas estalados
nas costas das crianças e dos seus
pequenos dedos à volta dos belos
ténis, das camisolas, eu sei lá
mais o quê, mário, não tens
ainda um pouco desse arsénico?
procura nos bolsos, nas bolsas
em falência, mário, em paris
é que se está bem
pelo menos há na periferia
uma revolta efervescente
como a do vulcão islandês
será que as cinzas chegarão aqui
mário? posso te chamar de mário?
posso te tratar por tu?
pois então fica sabendo, mário,
que tu, que eu quando era novo
me apaixonei por ti, a tua confissão
o teu céu em fogo, os mármores,
os asbestos, os eh-lá, voos de asa
e agora mário, sinto-me abandonado
sinto-me magra esfinge à espera
(o meu nariz é tão pequeno
que é quase como não tê-lo)
os templos das palavras não se abrem
para mim, mário, e eu que
queria escrever poemas
nem um burro terei
senão o meu rosto todos os dias
no espelho da manhã.

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