dava um nome a cada
flor. um fechar de porta
demorava-se pelo silêncio até
o trinco encontrar o seu lugar.
abrir era rápido um movimento
de pulso respondendo ao apertar
dos dedos dos músculos da mão
estava só com o seu corpo como sempre
se está mas agora que ela partira
não sabia o que fazer da solidão.
porque a morte caminhava em curtas passagens
fazia o seu trabalho de longa duração
habitando aqui e ali nos pulmões
em certos casos nos ossos nos olhos
e lentamente nas suas lembranças.
durante anos andou curvado procurando
com alguma minúcia uma vida de agrado e pouco agravo
foi essa a sua vida até aos vinte e oito anos
não tendo realmente nada para dizer.
do que restasse talvez fosse uma sensação de tempo
qualquer coisa que nem sequer podia
dizer que fossem vinte e oito anos. quando era criança
um segundo prolongava-se pela eternidade
ele próprio era a eternidade ele era
o próprio tempo durando-se demasiado
para fora de si. um outro
momento marcava fazia nascer o tempo
como sua mãe chamando-o para comer
mas antes de a mãe o chamar
para comer o seu tempo era o infinito
variações de luz de manhã com cada vez mais sol a noite
cada vez mais escura fechando os olhos.
ele agora abre os olhos e a cama está vazia
vagarosamente puxa e molda a almofada junto
ao seu corpo moldando o corpo que antes estava
na cama tão próximo de si e não sabe
o que fazer com a almofada chegá-la perto
trazer a que partira junto a si à cama ao seu
corpo fechar a porta prender-lhe a mão
dizer-lhe que não que não vá baralhar-lhe
as ideias e fica a ver como a mão dela
tão pequena mas tão semelhante à sua
que a confundia com a sua própria
nesses gestos tão seus de abrir o trinco
no movimento muscular da mão
arrependidas sobre os joelhos à volta da almofada
ridículas nas coisas do dia-a-dia prendendo
os manípulos do guiador da bicicleta
com a água da chuva escorrendo pelos dedos
limpando por vezes as lentes dos óculos
que continuamente se enchiam de gotas e de transpiração
mãos que estavam habituadas a cofiar a barba
as costas as pernas os seios e
de repente esquecidas de como acariciar e preencher
o espaço vazio ao seu lado na cama
mexer aqui e ali nos pratos talheres copos
na vassoura nos gatos na comida
mãos mudas moles mortas movendo-se
silenciosamente no ócio usado
recolhendo os restos do seu coração que a que partira partiu
mas quem afinal partiu primeiro
foi ele por entre a chuva fugindo
a carros a poças dela quando
disse de ti saio parto mudo
de casa de vida de um amor que não está
estragado mas muito menos que isso
que sou eu que és tu e nós
e a minha vida perdida partida sem rumo
sem saber sequer o que fazer dela
teria preferido o roubo pela morte
sabê-la levada longe resgatada pelo incerto
certo de não poder falar mais de a ver
por acaso passando na praça pela porta
onde ficou encostado na ombreira desejando tê-la
abraçado uma vez mais ou lhe ter soltado
os cabelos gancho a gancho o eco das ideias
ficou ali sentado no sofá cansado
de chorar trocando cigarros por lágrimas
recordações palavras passando os olhos
pelos livros roupa no chão teias no tecto
tentando retomar um ritmo habitual
como tomar o sono como segurar
o dia a roupa a água do duche ao corpo
como começar de novo
talvez deixando a porta aberta.
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