terça-feira, 18 de agosto de 2009

com sentimentos mútuos





para o cláudio


já morreram os ídolos todos da infância
de onde nunca por nunca devia ter saído
Coidado com o Cão já lá não está, nessa casa
onde achas engraçadas as iluminações de natal
o gato da minha vizinha
tempo de saúde de tempo de doença.

passou-se assim. estamos aqui como se fôssemos
dizia meu pai sentado num cadeirão
um susto e alguém se ria de mim
um deus por trás num halo de vitória
só. caio na esparrela que nem pateta alegre
deram-me uma língua para dizer disparates
isto está tudo muito mal e melhores dias virão.
e já a vida passava desguarnecida de todo
campo aberto à imaginação e a um ouvido atento:
a tua voz quando falas com os outros
muito pobres de saco na mão ao longe
até que acreditem à força no teu esquecimento
esse intenso momento
uma lata de real concentrado
está bem assim esta vida murmurante.

fica aqui claramente dito que eu sou eu
mas os olhos eram já olhos cansados
mas levo o coração cheio do teu afecto
inutilmente sem nenhum objectivo
faça frio ou faça calor
nem açúcar a mais na alimentação
mas não é bem porque queira
mas tinhas em vez disso palavras doces
que até parece que não é verdade
para eu aproveitar e fantasiar
que já sinto vir aí em forma de saudade
feliz dentro do género surreal-charrado
do espelho e dizer isso em verso coxo
e tu havias de dizer que eu mentia
cada palavra com um arco
já fazendo atletismo na vida.

deverás ser tudo isso jongleur de sombras
de embalar faz-te feliz. e embora isso
nada e eu sou um cantor de vazio
olhando de lado para os livros.

da infância vem também a chave
e nada de escandaloso aconteceu
uma coisa destas merece ser divulgada
alguém fugira num labirinto
para cantar um hino à imortalidade
aos primeiros tempos. não vem nada
que parece claridade e só é
e mostra que não estamos sós.

o melhor é dormir mais um bocado
deixa lá é só um vulgar pesadelo
com sementes de nada na terra do nada
como os fogachos de ilusões
deve ser comovedor visto de fora
mas vai-se a ver e se calhar
tudo me fazia sentar numa cadeira
não essa qualquer coisa só que
amanhã o relógio dar-te-á mais horas
esferográficas. e livros. de poesia
a consequência e só depois a verdade
se a vida é a quantidade de coisas.

infância longe naquelas pernas
as bandeiras de países as migrações
no desafio de redemoinhos de mar
de mãos e flores todas juntas
e afinal não nunca só tu e a paisagem marítima
de hipermercado. as linhas incertas
apenas com a água que deus lhe deu
e a traineira nocturna ondulando devagar
e nem seria preciso com a água do mar
e sentindo o vento dos carros como hélices
que há em todos os sonhos requintados cheios
e aquilo que ardia não era nenhum pulmão
parvoíce ou dura prova de esforço. quem sabe

tudo o que me engana na cara dos outros
se não mesmo os meus dedos a correr para cima
donos fingidos de quase nada
enquanto esperamos pelos bitoques
quando a gente não tem o que quer
aves de terra com asas cortadas
uma vez por semana pode ser que volte
o meu amigo esse que por vezes passeia
a palrar até se acabar até morrer
tão indisponível que até dava raiva
numa peça de fruta num suspiro.

tapa-me a boca interrompe-me
nunca olhes para mim. e assim parece
os teus olhos contra os ossos da minha cara.

2008
a partir de Mútuo Consentimento de Helder Moura Pereira

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