terça-feira, 30 de junho de 2009

um tolo à luz vermelha

juntamos toros e gravetos
restos de água da noite
amuletos do fim
diante da janela além
pela noite de verão até
uma ternura fosca ao rés
do cabelo. o instantâneo desejo

pouso os lábios no teu pulso
inseguros semeados
toca no meu braço onde rebate
de mágoa nas estrelas
e cumprimos o que somos
e partilhei na ordem dos teus sonhos
a mancha de um pequeno amor
e quase a medo te pegava na mão

nunca mais ninguém encontros
ser belo e bom ainda hoje por sorte
o imenso dia de cada dia de cada um
à distância, seu.
sobre ti que posso saber além
na ante-manhã. depois do sol nascer
a cidade escurece
está deitado aqui o corpo que recorda está deitado
corre as cortinas de pano cru
beijo-te o pescoço os lábios
no balcão de um bar. duas frases
um nome falso. depois
no terror do salão tu és a viagem
na memória não apenas uma noite
por quanto tempo ainda noite em noite
com que nas noites sem frio saíamos a passear.
enquanto dentro de mim tento confrontar-me

tudo nos move nos separa
um pouco mais de tempo e um de nós
um de nós pode destruir o outro,
ambos avançamos ao encontro quem o saberia
se os teus dedos cruzam os meus dedos
pressente a quimera da vida. adormecer.

se houvesse a liberdade
a sedução leva
a arte calar.
e depois dançar com a cicatriz
rumo à raiz de um nó vazio
um jardim: o sorriso de alguém
a sombra em guilhotina dos sapatos.

regresso ao silêncio da sala
eu canto o que não sei
o escuro em cada uma das veias
a noite responde à noite
um grito donde sobe
um doce sentimento frio
os restos da paixão
havia tristeza para os dois
todos os cimos do seu erro
sem me despir e chorei só por chorar
e durante uns minutos horas
dentro do estômago dos intestinos dos pulmões

só alguns têm o lume de matar-se. os outros
confinam a sala dentro de uma luz dormente
até aos dias depois dos dias todos
o hálito sóbrio dos trinta anos
que depois adquirem um sentido suicida
um tempo que não fora para nós

ao rés dos lábios um silêncio seco
a intempérie do sorriso no dealbar da noite
tantos meses depois de quase nada me doer
quase que detém / por um pouco a morte
não me digas nada / faz como quiseres
tudo é e não é / uma fantasia
um corpo que sabe / que te quer prender
a quem faz doer
os dedos tão perto / que mal nos tocamos
traição com traição / mentir com mentir
e do nosso amor
o sangue das lágrimas
doutro transgressor
antes do prazer
à separação
foi melhor que nada
algo vai ficar


a partir de Uma luz com um toldo vermelho de Joaquim Manuel Magalhães
2009

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