um pai é um
pai nada mais
um corpo antecedendo-
nos e os pais morrem
árvores de outros
tempos pedras imóveis
à porta da sala de jantar
ali com o seu silêncio
doente cuspindo e vomitando
sangue e vemo-lo cair
aos poucos e poucos entre copos
uma vez ou outra mergulhado
num livro palavras cruzadas
solitário nas suas cartas
pelas costas admirámos a barba
de espuma da manhã no espelho
os gestos certos de uma lâmina
pelo pescoço até à surpresa
do golpe do esgar de outra
cara desconhecida de dor
aprendemos nesses instantes
as palavras nada limpas
que vamos repetindo
as confissões dos miseráveis
dias em hábito contínuo
em surdina olhos
sem levantar do prato
remexendo com os talheres
a comida que não (a)prova
a surdez caminhando na voz
alta sobre todas
as outras e os lábios
dos filhos quase martelando
no tímpano mastigando
os ditos e os não-
ditos os bem e os mal
ditos ruminando tudo
ele fez os seus sacrifícios
amparando a sua desilusão no sofá
frente ao noticiário os netos
seres estranhos com outra língua
com quem por vezes
procura comunicar até
irem-se embora e ele
adormecer num escritório
onde um filho dorme
de passagem que por fim
pensa isto: todos os filhos
fazem tudo pelo pai
tudo até mesmo
contra o pai
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