segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

a sombra a calma

de novo as sombras e as calmas
estão ao lado dessa casa, talvez uma carta
um poeta esquecido ou o livro ao contrário
no ar. as verdades nunca se disseram. queria
nunca tocar essas coisas, nada
por esclarecer, era um imerecido
de nada se dizer
correndo a memória, um dia fora desta vida
só denuncia o nosso silêncio interrompido.

que quer dizer a mágoa sempre que se deixa
corpo fazendo-se, criando em seu destino
nos ecos fundos da cidade. esquecer o que deixas
a voz, corpo tremendo por uma última
tarde visto.
havemos de encontrar o nosso nome, dizemos
aqui, parados frente ao vento, movemos
a transformação leve de um dia em outro.
podemos estar com as palavras, como determinam
as coisas que se vêem deixadas ao acaso
da tua ausência
um timbre, as pausas, o riso que não era
o hábito das horas da noite?
separam-se num único corpo, para ninguém
uma necessária mágoa
contra a permanência das coisas.
como a noite desce todas as noites fazendo
o tempo desta vida assim
vivendo a morrer em mim
morrendo na casa. um lento desgaste.

já nada sei. chegas outra vez
não sabes as coisas que mais guardo.
espero. um corpo dedica uma vida a um corpo
que penso chegar a encontrar-me
para incertas emoções
e tu passas encostando
para unir a coragem ao verbo.
nem sempre dirás da ternura
o pensamento lógico
é sempre uma escolha, feroz
toca-te as pálpebras, uma outra mão talvez
que te deixou há muito
o feroz artifício da idade.
é o tempo de namoros e saúde
os olhos perturbam os teus, baixas
e na ilusão dos dias a vontade

da noite. chegámos há pouco, a água
regressa aos pátios por patins
quem com o lume trouxe a sua própria água
fora, fora de nós ou dentro das terras todas

partir inventando as tuas histórias
que deixaste, um abismo
se um dia pudermos achar diversão em confissões
que nos dizem como somos. não se vê
entre o inesgotável gesto de cada encontro,
na invenção
outro nome e um dia não podendo segurar-te
o que de mim resta quando as horas quase trazem
um fio a partir-se.

de súbito a vontade vale, toca-me apenas
onde estás, adormeço numa história
até ao silêncio sentir-te a dizer
no teu regresso, há um território que não sei
a pouca razão destas conversas à frente
dos velhos monumentos
ninguém os escreve e estão guardados
um pouco os surdos nomes do amor
para ver se as coisas estão todas
como o carregar de penas inventadas

tão cedo começa o dia com a luz a entrar
que a planta no vaso a abrir a primeira flor.
o inteiro sorriso
ao rosto. entre dúvidas e certezas
a alegria, é um novo gesto de amor,
secreta força de destruição. outro
farás ainda um derradeiro sorriso
como uma praia que não acaba
pedindo o trabalho da atenção.

dissera: ergue o corpo à luz, desce-o
para sempre
que vão acontecer estas coisas
muita coisa, escuta
cada mês que passa. este acto de estar tão parado
escritas influenciando a vida
neste dedo. estou no meio, de fora
não sei se vou mais longe, apenas
sangue, sobre os olhos o susto, o alívio
início do dia, são as horas

que podes dizer quando no engano
entrar nesse jogo, apenas mais um.
aviso, tu que todos os dias dás passos
se o corpo cresce há que fazer com que se perca
o futuro a ser mais que o próprio tempo.
de cada gesto, insinuados convites
sem custo, o olhar no olhar
quase não há palavras que te digam
é sempre um limite, ouves os teus passos
junto à parede. as coisas demoram
a desvendar mais algumas mentiras
nas saliências do corpo, espelho
os teus olhos dizem o que a tua boca
tremeu. enquanto não houver
nos teus olhos e no que os teus olhos
é o centro do mistério, a corda a que deito
a decisão de amar-te. e vamos fazendo
os ardis com que vivemos
jamais verei com os meus olhos
o dia no calendário da memória, entre
impossíveis ligações. são horas de parar
o tempo, chega pela noite um pássaro
de um amigo, talvez a frase riscada
as diferenças
que ajudámos a criar? nenhuma sedução
conversas de convencer. o que pode o desejo
desejar outra vez. o maior perigo. nunca

vendo o espelho dos carris, o tempo
não duvides desta memória
foi a primeira vez, por isso podes dizer
e era assim. a respiração vinha do coração
estão no mesmo sítio mas o frio acabou
só o olhar acalma que pões em tudo
por tuas mãos tão pouco cansadas, estas mãos
sós os pés, as tuas mãos mais velozes
que te permite fechar muito devagar a porta
o medo, a cama e nenhum véu sobre o rosto
um embaraço. e sempre chegarei a tactear
colando envelopes, guardando tristezas
as pontas dos lápis, guardo
ao mesmo tempo, ao longe a montanha
de defesa mas falhei a árvore
o eco desta voz morrendo

as duas metades quase se tocam
ficam ao longe com os números
a casa, o corpo de quem pediu o repouso
o débil guardião da porta
as ordens um ao outro sussurradas
ao chão onde o corpo lentamente se acalma.

de novo as sombras e as calmas
ontem amei os teus gestos. e já hoje
acordo e vejo que estou
estou entre o teu corpo
o outro sol que se esconde por trás das imagens
às paredes sabe muito mais de mim
dou nome ao fogo: olhar dentro de outro
de dizer se nos perguntam
pela cor de anémonas e papoilas

quero-me assim e a ti
vento evoca corpos tidos,
só muito mais tarde me falaram
quando de olhos fechados deixas
o acontecido tempo a perder-se
já não sei onde, o fim da linha
numa manhã de setembro

o empenho do exercício da vontade, esperar,
o meu medo não serve para diálogos
está no silêncio, deixa de ser tempo
linguagem do feminino
da infância, o sino ordena o regresso dos campos

(não me perturbes com teu medo, mãe
no que procuras
por poucas palavras)

uma altura dizemos que sim
agora é a pressa do derradeiro amor
conheci-te numa noite, trazias
a luz a nascer, o fumo de boca, geada
pelo dia. ervas, espalhados
os braços a impedir a passagem,
de rápida alegria. quando o corpo
o olhar até ao limite, calado
um dos que te recebem
em que a morte nos deixa
todas as tempestades, estas verdades
é um pormenor, nenhuma atenção
por trás dos arbustos quase
para ti. veio dos imaginados desertos

ao fim da tarde, o pequeno cortejo
a chuva de setembro, regresso dia
dentro destas muralhas, havia
fios de água, descubro
os baços vermelhos, os louva-a-deus
o suor com um lençol, o sol
sedução, a aranha sabe
as mulheres sentem no sangue
no rosto desconfiam
e nos recorda outra história

o acaso uniu o silêncio
em que éramos nós
não sabíamos que dizer
palavras que diziam tudo
temos o corpo, a noite
pela noite fora
os seus sinais nunca mais
e o real, a mulher e o sangue

dizemos a verdade
de alguma coragem
não sei que querias
e eu apenas lhe senti
isto que demora

não sou quem julgas
esta beleza, esta miragem
cansado. procurando
um rasgo de amor?
largas a mão
o que não é vem ser.

alguém virá comigo
as coisas são assim
corta este cordão
a figura no chão
dos homens.
reconheces uma dor antiga
ou já não é. mal o olhar desiste
entre o ruído, eu não digo
as mais difíceis de dizer, a terra
o entendimento. cai o frio sobre os pulsos,
das preocupações dominantes
como quem se desculpa do que já
ao seu lugar separado
nos ossos salientes. oiço

recusas o lado que conheces,
algum cansaço sobre a testa.
na pele ardendo.
das mensagens íntimas
e depois não, tumulto
de árvores e barcos. a pressa
na manhã clara, passávamos
o súbito fazer
quando me faço ver no poema, a minha noite maior
falar: quem de mim soube primeiro já não
se vai apagando
qual a adivinha escondida
lhe sairá da boca, fica
já não há um indício de mistério.
a mão acenando
buscar palavras de quietude, preparos
que cumpram, solidários
o excessivo azul

dos pequenos prazeres que tinha?
estou aquém da dor e só a dor
não vai haver sequer
este não saber a
acusar como eras
no meio de todo o sangue
lágrimas, se contas
o ar que me falta como
aguardando um qualquer desfecho. bicho

quem se abrira a olhar o que não ficou
vira-se. dormirá no dia
entre cortinados e rasgões. ouvia
o momento de interromper o ruído
ou surpresa. a um canto encostado
que esteve deitado
sobre a pedra

não há paisagem
no céu dos teus olhos
de unhas riscado
o breve relâmpago
os lábios tremem, receiam
da memória, adormeço, não
à volta do corpo.

um ousado retrato
contra a luz
aí à escassa luz, os seus nomes
o que parecia perdido
o rosto tão triste

como é tanto amor,
o que não peço, isto
o ciclo do desejo: mudem
a árvore que sonhaste
se outro mundo
fosse o único desejo
iluminando o caminho
milagres começando no corpo
o lençol do dia
imaginada com o corpo

perdoar a este corpo?
iluminada esta manhã
tapar a morte
e o teu nome começa
na indecisão do outono
força-me ao amor
pelo bater do sangue
a dar-se ao destino

mais tarde sempre mais
a vida. alguma
no quadriculado da folha
a almofada. terá dormido
pelas esquinas da casa o risco

espero que chegues
no outro lado da manhã, é
outra janela, um vidro
até ao jardim onde o vento demora.
ninguém está para ver, assim
a sua adivinha
não a flor dentro da rosa.
onde corriam desastres, a pergunta
que não escreveste, haverá uma cinza
para um verso e um de nós
triste ou não se importa e caminha
e já sem ver.

uma vez um dia ouviste a palavra
de achada promessa: hás-de ser o que quiseres. nunca
o coração, uma voz pedindo que não acabe nunca
deixa antecipar a mágoa da idade.
contavas histórias: havia lagartos
quando o sol começava.
sofreste talvez com as primeiras chuvas
o que não se dizia e o que não se podia
e sem saber que outras coisas
sinais de um lado da vida
na palma da mão, ingénua reprodução
na sua lembrança
é isto, um motivo para continuar
na penumbra dos sentidos.

como é o inquieto modo do corpo. o que lembro
o que digo esconde-se entre o que não digo
as emoções deste lado
no meu terror, começar
a beleza que mais ninguém

distantes, muros a transpor
ser ele o meu melhor
o meu amor e eu
uns à frente dos outros
para gostar de alguém

um vazio: passava rente
a sua vida. não tem pressa
para as coisas. experimenta
um território luminoso
a dar com a idade, amor com flor
cimento de lama
outro coração. mas não há

ouve, aceita, guarda o ténue
preparado para o resto do dia
só há-de ser vento
nestas palavras. na roda do tempo

cair nesta mão, como eu
depois serão roupas pesadas

tão juntos, anoitece
as pontas dos dedos unem um planalto
anoitece
pressinto que sim que és
esta paixão sentindo passar
ao lado na noite da noite
festa que lhe ensinou outro corpo
e no coração não sei se começa o último

o amor por um olhar? quem esperava
o coração existe, digo que não
que mantenhas o teu silêncio, que não
em cada dia, assim vivo
o meu sentir.
de fortuito encontro descansado

cai o pano da tarde: reconheço
ser o gesto do corpo. eu recuo, eu
e o que sou. na mão a safira
és, se o medo te ganhou, ficarás
por estranho laço. não podia deixar
fazer o sinal do silêncio
pega na história da vida e se dois
vejo o corpo que sente. digo
nem podia acreditar
com a minha defesa sorridente
e de um tesouro
com a sua arte.

não sei explicar-te
e aqui se chega. e contudo
no vazio de uma resposta
na memória, alguém lembra
há quem durma
numa pose para sempre
e sentias não ser desta época
a favor dos teus lábios

vinha então com sal nos olhos
falamos pouco, esgota-se
sorrindo e sorrindo
tomado de intenções
já o corpo cansado de chegar. e a alma
de madeira
mas na luz
já tudo foi lido, até
o triângulo do sol

(obscuras estas páginas
uma ideia ou duas
a mais presença dos sentidos
de algumas perguntas
o encontro do acaso
os olhos apontando para onde
quem não conhece)

um homem reconhece
sem saber o que fazer
até viver de mais. quem sabe proibir
a retórica do perdão
o sentimento prende, os braços
o peso com que as palavras
move alguns desejos
do brilho do corpo
na boca de quem
para o susto
a sombra de seus gestos
começando a saber
a morte e o desfecho
um laço fácil
o que sinto, posso
certas maneiras
algumas palavras
ter os desejos
na noite destinada
e descansados

é possível ir, cego
por cima das chaminés
do que nunca feito
avanço sem perguntar como é.

rasgas agora a folha dos recados
ouvirás falar de um vago
personagem
este que segura o copo
que lhe agarra
por ele. em segredo me levou
então pus a vida
feroz representação
de metamorfoses feito
o teu homem
acaso da vida
e era muito
durar a inocência
dizem do tempo
do corpo. não são dignas
quando passa a idade.

não olhas
e a luz espalha no rosto a sua luz
falámos sempre de outras coisas
dentro desta campânula e um sino por vezes
a tua voz, inclino a cabeça, pago
o corpo, jovem na idade precisa, cínico
aos olhos de quem decide valores
sobre o teu corpo, um risco que fizesse
aqui tem lugar no coração, fortuna
de outra história. então subo pelos ferros
todas as hipóteses do coração, de repente
um erro e outro
nos olhos adormecidos.

és uma figura, reconheço-te
fulgurante, o levantar do dia
de um encanto sofrido
vestida como as figuras

estou em teu domínio
acabas de sentir

por vezes pergunto se havia
o que agora vejo quando aqui entro:
o destino do corpo, tisnado
e a voz com que dou as boas-tardes
o lapso de dizer até breve
de morrer devagar
no quotidiano da casa partilhada
de cães, só gosto de ti
do amor, repetidas novas, vezes de conta
e na alegria. pomo-nos a olhar
no fio da noite
que desenhas e me prende
maneiras de estar
nessa rua e o coração
fales ou não
de uma ferida, os sonhos

agora o rosto é o rosto
o teu rosto ilumina
deu a forma dos sinais
faz morrer a virtude, chamo
dom, perdição ou ruína
absoluta. o corpo aceita
que só para dois fosse
regras de um desafio
do corpo, útil recomeço
o jogo cúmplice
uma fotografia interior
situar o risco do tempo
acto, porque tudo se perde
e nada mais. tão longe
assim o disseram
a voz do mundo, emissário
esquina, precipício
algum modo de memória
na ferida ou o lado menor
no momento previsto
entre vontade e razão.

e não passo de um corpo
sem saber como se morre
como não sabendo
o lado de dentro de qualquer
erro aparente, nenhuma
vinda de um acaso
em decisões incontroversas
e tenho medo
do outono. e que desfeita
do amor, vês como
os lábios tocam
os bens do corpo
entregando culpas
ou só o medo, apenas
as escolhas possíveis, caída
a dor

como é o fim e o início
do que não sei dar?

mostrava tudo menos
o coração, ouves bater
isto que te diz respeito
nesta hora ou dizer
uma ilusão, pensar
que em vez do amor
à noite e os olhos a fecharem
por nenhuma causa, traz-me cigarros

o rosto entre mãos, mais depressa
ou o silêncio, o turno da manhã
a disciplina de acordar, cabeça
para acender melhor, cigarros, o lume
de histórias, ida ao fundo e volta,
costumes, toda a solidão
de instantes, apagando a tarde
e os crimes voltarão aos pulsos,
o coração
da noite, sabendo porquê
a vida que quis ficar, o corpo
amor e paixão, desejo
partir e continuar a ficar

parei de repente a pensar
em mim
e ao frio, vendo como digo
toda e o tempo a passar
do seu eixo. em cada noite
sobre ti que já só sabes
um tudo-nada e a norte
esta vez é a vez
é a voz, vou por vezes por aí
salvadora, eu ao fundo
na berma onde passa um homem
tudo me diz que estou aqui, vêem-me
onde estou aqui onde estou
que passou, esperaste demasiado
isto que sangra e ao mesmo tempo
que a ter achado
outra vez, de novo o amor
seguir repetindo, marcando
e por isso peço um lugar.

A partir de De novo as sombras e as calmas de Helder Moura Pereira
2009

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