domingo, 14 de dezembro de 2008

Nª Sra. de Machede

Ao fundo da estrada principal, quase chegando ao fim da rua onde se ergue a casa do povo, dois cafés, café central e o café popular, disputam a tarde de ócio de agricultores e homens feitos nas obras. Entre minis, médias e copos de vinho (e eu próprio de aliança velha em punho) joga-se bilhar ao som do jogo de futebol inglês que passa na televisão e põem-se as notícias das redondezas em dia.
Achamo-nos no café popular. Lá dentro, topo das paredes amarelecido pelo tabaco, balcão corrido de alumínio, meio resto das paredes azulejos vários, brancos uns outros com motivos simples lembrando flores. Não faltam nas paredes pratos temáticos do alentejo profundo, canivetes para rifas, fotografias que, mais do que impondo os idos e memórias, marcam as conquistas: novos campos de futebol, a jovem equipa vencedora do campeonato de bola a cinco.
Onde se encontra a televisão havia antes por baixo uma porta ou um lume de chão, agora é uma cova fumada mas encoberta pelos novos tempos. Um degrau separa o balcão do bilhar. Em fila, de cotovelo apoiado ao alumínio corrido, manchado de rodelas húmidas, os homens ficam a ver o tempo passar, sem pressas, exceptuando o miúdo que um pai trouxe, não desejando crescer entre fumo e conversas que não lhe dizem respeito.
No ar levanta-se um cheiro forte. A dona do café, mulher que põe os homens em ordem com um sorriso matreiro, frita entrecosto com massa de pimentão e banha de porco. Por trás está a orelha de porco em vinagrete para picar. O miúdo balança um saco de plástico verde-água e olha mastigando uma pastilha. Agarra com a sua pequena mão o antebraço queimado do pai, para lhe lembrar que cresce melhor ao ar livre, correndo cima a baixo a rua, ao sol. Agora, depois da explicação do pai sobre a mais-valia da sua mini fora de casa entre irmãos, o miúdo entretém-se dando palmadas e pisadelas na muralha idosa que se interpõe entre ele e as suas aventuras.
Poder-se-ia fazer o concurso da barriga, a boina mais coçada, a barba que mais rapidamente acenderia fósforos, a cara que melhor traçaria o mapa das viagens à procura de trabalho. Na verdade, percebo-o agora, o melhor mapa do Alentejo, senão mesmo de Portugal, desenha-se nas rugas de alguns homens e mulheres, dos quais pelas suas bocas se descobrem, por trás do pó da terra nas suas gargantas, rimas e histórias que me fariam voltar ao útero de minha mãe e qualquer historiador ou compilador um ficcionista de baixo escalão (claro que tudo isto tem uma certa dose de deslumbramento).

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