segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

malcolm lowry





AUTOR: Malcolm Lowry
TÍTULO: Debaixo do Vulcão
EDITORA: Livros do Brasil


Raros são os livros a que chegamos por acaso. A maior parte dos que me chegaram às mãos têm por trás, sempre, uma rede que os ampara, a qual, muitas vezes, formulamo-la apenas quando pretendemos falar sobre eles, dos livros, o que me faz duvidar da veracidade do que dizemos. Debaixo do Vulcão não me surgiu por acaso, reconheço a rede que não me permitirá cair no meio do chapitô. Preferia que este me tivesse aparecido pelo acaso, que alguém mo tivesse atirado para a mesa de café e ao virar-me para procurar o culpado já lá não estivesse pessoa a julgar ou apenas um bêbedo igualzinho a mim daqui a vinte anos e me fosse embora deixando-me nas mãos este livro.
Já tinha lido alguma coisa sobre o autor num livro qualquer, mas o que me ficou de forma mais premente foi um texto de Al Berto, uma carta para o Cônsul, acho que era esse o título. E muito pouco tempo depois, numa livraria em Évora, descobri a reedição de Debaixo do Vulcão, que comprei de imediato – este livro apenas teve em Portugal três edições, uma esgotada nos anos 60, pouco depois da morte do autor (1909-1957), outra em 2000 (a da imagem que podem ver e que, penso, já se encontra esgotada) e a última da editora Relógio d’Água.
É realmente um romance muito peculiar, com uma história por trás dele, no mínimo, igualmente romanesca, tal como a vida do seu autor: 1) o livro foi escrito várias vezes, uma porque não gostava, outra porque perdeu num táxi, outra porque se queimou juntamente com a cabana onde viva, nunca sentindo que fosse perfeito. 2) Malcolm Lowry, jovem estudante brilhante, enfastiado com a Universidade e fascinado com autores marítimos (Herman Melville, Joseph Conrad, Nordahl Grieg, Conrad Aiken), decide que a sua vida estará fatalmente ligada ao mar, às viagens, ao álcool e à literatura. Ainda adolescente embarca num cargueiro do qual resulta o seu primeiro romance, Ultramarina (também editado pela Livros do Brasil), mas considera-o bastante fraco (o que realmente é comparado com o que virá da sua mão). Depois volta a terra e, em acordo com o seu pai, acaba os estudos e só depois se pode dedicar por inteiro ao seu destino. Uma mente fascinante, diziam os que o conheciam, com uma memória literária imensa, citando de cor(ação), em conversas, versos de vários séculos e de imensos autores – a sua obra está intimamente intrincada com a literatura e ele próprio introduz citações no corpo do texto, bastas vezes sem aspas. Parte em contínuas viagens pela América do norte e do sul, pela Europa e pelo álcool, ao lado do seu mestre de eleição, Conrad Aiken. Casa-se e descasa-se, vive no México e com o álcool, é deportado e recasa-se com Margerie Bonner, sua companheira até ao fim da sua vida e responsável pela edição (e de alguma reescrita) da obra póstuma de Lowry. Do consumo de álcool veio um pensamento ligado a símbolos e perseguições, nada escapava ao seu olhar, embora (quase) tudo viesse da sua mente conturbada, morrendo alcoolizado e cheio de barbitúricos ouvindo a Sagração da Primavera de Stravinski.
O México é, no fim de contas, o país que mais o fascinou. É igualmente lá que todo o Debaixo do Vulcão se centra. Resumidamente, o desejo de Malcolm Lowry era escrever uma espécie de Divina Comédia dos tempos modernos, no qual o Debaixo do Vulcão seria o Inferno . De facto, o que encontramos neste romance é uma verdadeira gradual “descida aos infernos”, com a floresta como cerco pesado, escuro e labiríntico, até à morte de um casal separado (o Cônsul e a sua ex-esposa Yvonne). Acompanhamos o Cônsul na sua queda demencial, com os seus remorsos, com as suas lembranças de um tempo feliz, a tentar corrigir a sua vida com Yvonne e a embriagar-se cada vez mais, até ao ponto de tudo estar confundido na sua cabeça. Como personagens de uma tragédia grega, tanto o Cônsul como Yvonne, acabam por ser castigados pelos seus crimes. Todo o romance se desenrola num único dia, o dia dos Mortos, exceptuando o primeiro que, embora no mesmo dia, se passa no ano seguinte; e estrutura-se em doze capítulos, como as duas metades das horas de um dia, como os meses do ano, os apóstolos, etc., tendo cada capítulo vários significados e símbolos (como explica Lowry ao seu editor na carta publicada em Portugal pela Hiena editora, Por cima do vulcão). Mas o melhor será descerem e aventurarem-se pelo livro.
Por fim, despedindo-me, gostaria de citar o autor e a sua ideia geral de Debaixo do Vulcão, talvez ele vos convença melhor do que eu: “O romance pode ser lido apenas como uma história que nos permite saltar páginas, se quisermos. Pode ser considerado como uma espécie de ópera ─ ou mesmo ópera de aventuras. É jazz, um poema, uma canção, uma tragédia, uma comédia, uma farsa, e por aí fora” .

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