terça-feira, 22 de março de 2022

notas sobre o assentar das areias

duvidavas com fervor: valeu a pena a angústia, a frustração, a dor que te fulminava, o alheamento, a expectativa, a comiseração, o lamento? escavava no deserto e a vida escorria por essas areias. valeu a pena? adormecias, por fim, de cansaço, de tanto esperar uma mensagem que te anunciasse a possibilidade de retorno. conheceste essa mulher e conheceste a força leonina que a sustentava. e também nela o deserto vertia as suas areias, a sua secura. amparavam-se um ao outro, como por vezes uma oliveira numa rocha. e os anos passaram com o gosto de repetição; e sombra e deserto avançavam por dentro, sempre mais dentro. abriram, mais tarde, entre os dois, para salvaguardar o amor que os unia, uma distância física que avizinhou os corações doridos. cada um por si perdia-se nas deambulações, no seu deserto, em busca de como estancar o avanço das areias. ela na grande cidade de babel, tu no templo para o exercício da inclinação interior. valeu a pena? sim. o exílio existe para melhor pôr uma pedra. quando a colocaram o avanço refreou até parar de vez – entra, é claro, por frinchas, ainda alguns grãos, para nos lembrar da ilusão da pureza. tudo o que aqui está é o relato.

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