terça-feira, 19 de setembro de 2017

Galway Kinnell - Flor de Galinha (conclusão)


5
Quando a Aurora Boreal
se abria ao longo do céu escuro e desaparecendo,
acendendo-se
tanto que desaparecia,
levei ao meu olho a secção
luzente de uma omoplata de carneiro –

subitamente pensei
poderia ler o cosmos grafando-se,
as enormes letras partidas
estremecendo ao longo do céu escuro e desaparecendo,

e num instante,
num piscar de olho, veio a mim
o pintassilgo cantaria por todas as noites o choro da espingarda,
a árvore seguraria os ossos do atirador que escolheu não descer
a rosa floresceria ninguém veria
o camaleão ansiando por ser mudado permaneceria cor de sangue.

E subi
à capoeira, e tirei
a galinha morta pelas doninhas, e arrastei
a carcaça sugada para a luz. E quando a icei
entre os pinheiros jovens, um último
ovo emborrachado deslizando enquanto a levantava ao alto, não é que
as asas
mortas se arrepiaram quando se alcandorou
nos braços do Urso?


6
Esparramado de bruços, à espera
que o galo gema
é o vazio da manhã, como gemeu três vezes
para o discípulo
de pedra,
ele que esmagou com o seu esporão a cabeça da serpente,

lembro há muito tempo cosi
o meu primeiro dente
de leite sob penas de galinha, depositei debaixo de penas de galinha
o gancho
da fúrcula,
que se partiu amorosamente para mim.

Para o futuro.

Chegou o tempo.


7
Escuta, Kinnell,
despejado vivo
e morrendo na velha cama de balanço,
uma camada de penas esmagadas tudo o que há
entre ti
e o longo eixo de trevas com o teu molde,
deixa-te ir.

Mesmo este quarto assombrado
todos os seus materiais fotografados com tragédia,
mesmo o minúsculo crucifixo à deriva de bruços no centro da terra,
mesmo estas penas para sempre libertadas das suas asas
têm medo.


in Galway Kinnell, The Book of Nightmares, Boston & New York, Houghton Mifflin Company, 1971: 13-15.

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