sábado, 24 de dezembro de 2016

Julio Cortázar - Los Amantes



Quem os vê andar pela cidade
se todos estão cegos?
Eles dão as mãos: algo fala
entre os seus dedos, línguas doces
lambem a palma húmida, correm pelas falanges,
e ao alto está a noite plena de olhos.

São os amantes, a sua ilha flutua à deriva
para mortes de relvado, para portos
que se abrem entre lençóis.
Tudo se desordena através deles,
tudo encontra o seu signo escamoteado;
mas eles nem sequer sabem
que enquanto rodam na sua arena amarga
há uma pausa no trabalho do nada,
o tigre é um jardim que joga.

Amanhece nos carros do lixo,
começam a sair os cegos,
o ministério abre as suas portas.
Os amantes rendidos olham-se e tocam-se
uma vez mais antes que o dia cheire.

Já estão vestidos, já vão pela rua.
E é só então quando estão mortos,
quando estão vestidos,
que a cidade os recupera hipócrita
e lhes impõe os deveres quotidianos.

(versão minha)

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