domingo, 7 de fevereiro de 2016

De Berlim a Lisboa X

Valladolid, Burgos

o tempo deixou aqui a sua pátina
uma terra infértil onde caminham corvos
gralhas debicando altivos os restos da revolução
do arado exumando restos de ossos palha
cascas de sementes ou carochas
necrófagas pelo lixo de plástico
sacos garrafas latas as armas
da nossa arrogância e ódio à natureza

do céu uma morrinha incansável livrando burgos
aos seus e a nós esfomeados e com o dever
para com as nossas sombras igualmente necessitadas
de pisar o chão ou dar à terra com que criar nova vida
tal como em château-thierry subimos para junto das águias
e do alto sobrevoámos pelo miradouro a vista
até sermos tomados pela vertigem do feio
que o tempo dirá de outro modo

não havendo mais que a vontade sustivesse ou a paciência nos pedisse
seguimos o embalo de uma pressa que nos tomava conta e com subtileza
ditava as novas regras do jogo estendendo-se por esse território que é
o corpo cansado pelas expectativas goradas nos percursos tortuosos
percorridos lentamente perfazendo uma lonjura interminável
ainda hoje palmilhada e iniciada antes desta viagem
impondo os nossos encontros e desencontros
os mesmos e outros silêncios

como os de nenhuma resposta e esperar a chegada do sol
uma chave uma hora enfim permitindo que nos dispamos destas
roupas e espinhos e encontremos por momentos nessa casa
de catálogo uma bonança quando tantos quilómetros ainda
nos separam do destino e esta ansiedade dobra o mundo mal
nos deixa respirar ou imergir por inteiro nessa estranha luz
envolvendo valladolid ou o parque junto ao rio onde nos saiu a multa
por ocuparmos demasiado espaço no pouco tempo que ficámos

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