domingo, 14 de junho de 2015

o fazedor de dicionários

          conhecia de cor todas as palavras do dicionário, sabia o seu significado, a intrincada trama que liga uma a outra. era um homem linguisticamente sábio, portanto, ou enciclopédico, se quiserem. continuava, no entanto, sem perceber nada do mundo e das pessoas. via uma mesa, uma cadeira, uma árvore, um animal, uma montanha, uma pessoa e nada percebia. o visto e o lido não coincidiam. alguém dizia mesa, cadeira, árvore, animal, montanha, pessoa, amor, carnívoro, diálogo, obsceno, elucubração, impávido e o escutado do contexto não coincidia com a sua memória, ou a expressão de todo o corpo, modulação vocal incluída, nada significavam.
       inscreveu, então, uma novíssima palavra no dicionário, o seu substantivo e formas adjectivais e adverbiais, uma coisa que percebeu com todas as fibras e células do seu corpo, da sua vida. pela primeira vez o visto, o escutado, o lido e o sentido coincidiam e em si, na sua pessoa. essas palavras definiam-no - qualquer coisa mais que qualquer um possa dizer de si, que uma palavra mais a sua rede o definem.
          escreveu: só, solidão, sozinho, solitário, solitariamente, solitude, s...

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