quarta-feira, 3 de julho de 2013

Karl Krauss


Autor: Karl Krauss
Título: Os últimos dias da Humanidade
Editora: Antígona
Tradução: António Sousa Ribeiro

          Talvez Aristófanes tenha escrito uma ou outra tragédia, perdendo-se de boca em boca, ou num qualquer incêndio ou pilhagem. De qualquer maneira, não era incomum, durante as festividades, quando durante dias se representavam à cidade dezenas de peças a concurso, os dramaturgos apresentarem de sua autoria uma tragédia e uma comédia. O que nos chegou com o passar do tempo, dos nomes que fizeram o teatro da Antiguidade, deixa-nos uma curiosidade e um impulso de imaginar como seria uma tragédia de Aristófanes, uma com a força crítica das suas comédias, tais como “As Aves”, “As Rãs”, ou “As mulheres de Atenas”. Levado nesse impulso imaginativo e desejo arrisco dizer – sabendo ser um erro crasso, cada autor vale por si – que “Os últimos dias da Humanidade”, do austríaco Karl Krauss, poderia ser considerada a tragédia aristofânica do século XX.
          Karl Krauss (1874-1936), jornalista e escritor a tempo inteiro, foi uma das figuras mais importantes e carismáticas do mundo literário austríaco. Para além de ter sido um autor prolífico, através da poesia, aforismos, ensaios e dramas, foi igualmente o editor de uma famosa revista de vanguarda, “Die Fackel” (O Archote), a qual, inicialmente contando com a participação de inúmeros escritores e artistas, como Hofmannsthal, Schnitzler, Georg Trakl, Strindberg, Kokoschka, Schönberg, ou mesmo Oscar Wilde, entre outros, passou a escrever todos os artigos, sendo talvez uma das revistas com maior longevidade e com números editados (922). Esta revista foi, por assim dizer, o palco de onde Krauss lançava as suas críticas à sociedade austríaca, atacando a corrupção, o mau jornalismo, as políticas nacionalistas e pan-germânicas, a economia liberal nascente, etc. E foi, igualmente, por entre os milhares de páginas d' “O Archote” que Krauss veio vindo dar à luz a sua violenta crítica à Primeira Grande Guerra, entre 1918-1919 e mais tarde em livro, em 1922, numa versão revista e aumentada, tornando-se “Os últimos dias da Humanidade” uma das peças mais difíceis de levar à cena, pelo número de personagens e o tempo necessário para uma representação integral.
          Olhando para trás e tendo em conta os livros que reflectiram sobre ou se desenrolam em torno desta tragédia da humanidade, a 1ª Guerra Mundial e suas consequências, tais como “Os Sonâmbulos” de Broch, “A guarda branca” de Bulgákov – só para citar alguns, pois há vários – podíamos aferir o seguinte: o primeiro retraça a grande mudança espiritual, por assim dizer, que afectou a Europa, mergulhando-a no que veio a ser o seu rosto actual, o neo-liberalismo selvagem; enquanto o segundo afronta o lento fracturar das relações no seio de um único país, num movimento suicidário e fraticída, como um eco da onda bélica antecedente. Ora, o texto de Krauss, parece-nos, move-se por entre estes dois pólos, ataca as causas e os efeitos desse massacre, as políticas que daí advinham, as quais resultavam numa fome geral de alguma parte da população, ou os pensamentos nacionalistas alimentados, já nessa altura, por um mito racial, etc., levando ainda mais longe as críticas já presentes nos livros acima citados. O cruel nisto tudo e daí ser aristofânica esta tragédia, é que o estilo satírico está tão bem tecido que constantemente nos rimos com a idiotia da humanidade.
          De facto, progresso não significa evolução.

Sem comentários: