sábado, 19 de janeiro de 2013

O cirurgião às duas da manhã




A luz branca é artificial, e higiénica como o paraíso.
Os micróbios não lhe podem sobreviver.
Estão de partida nas suas transparentes vestimentas, desviados
Do bisturi e das mãos de borracha.
O lençol esterilizado é um campo nevado, gelado e pacífico.
O corpo sob ele está nas minhas mãos.
Como de costume não há rosto. Uma massa de branca porcelana
com sete buracos à força do polegar. A alma é outra luz.
Ainda não a vi; não voa para o alto.
Hoje retirou-se como a luz de um navio.

É um jardim com que me tenho de haver – tubérculos e frutos
Destilando as suas sortudas substâncias,
Um tapete de raízes. Os meus assistentes penduram-nos de volta.
Assaltam-me fedores e cores.
Esta é a árvore do pulmão.
As orquídeas são esplêndidas. Elas marcam e enroscam-se como cobras.
O coração é uma campainha, em aflição.
Sou tão pequena
Em comparação com estes órgãos!
Num purpúreo ermo eu serpenteio e corto.

O sangue é um pôr-de-sol. Como eu o admiro.
Mergulhado nele até aos ombros, rubro e chiante.
Todavia invade, não se esgota.
Tão mágico! Uma fonte ardente
Que devo vedar e deixar encher
A intrincada tubagem azul sob este pálido mármore.
Como admiro os Romanos –
Aquedutos, os Banhos de Caracalla, o aquilino nariz!
O corpo é uma coisa romana.
Calou-se com a pétrea pílula do repouso.

É uma estátua que os serventes transportam para longe.
Aperfeiçoei-a.
Sou deixada com um braço ou uma perna,
Um conjunto de dentes, ou pedras
Numa garrafa para chocalhar e levar para casa,
E lenços em fiapos – um salame patológico.
Hoje à noite as partes foram soterradas numa geleira.
Amanhã irão nadar
Em vinagre como relíquias santas.
Amanhã o paciente terá um membro de plástico limpo e lilás.

Por cima de uma cama da ala, uma luz pequena e azul
Anuncia uma nova alma. A cama é azul.
Hoje à noite, para esta pessoa, o azul é uma linda côr.
Os anjos de morfina electrocutá-lo-ão.
Ele flutua uns centímetros acima do telhado,
Cheirando os rascunhos do amanhecer.
Caminho entre os adormecidos em sarcófagos de gaze.
As nocturnas luzes vermelhas são luas lisas. Atordoadas com sangue.
Sou o sol no meu manto branco,
Rostos cinzentos, pelas drogas fechados, seguem-me como flores.


in Sylvia Plath, Crossing the Water - transitional poems

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