sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Octavio Paz - Mar de dia




Por um cabelo só
parte suas brancas veias,
seu doce peito áspero,
e mostra lábios verdes,
frenéticos, nupciais,
a espuma deslumbrada.
Por um cabelo só.
Por essa luz em vôo
que parte em dois ao dia,
o vento suspendido;
o mar, dois mares fixos,
gémeos inimigos;
o universo partido
mostrando as suas entranhas,
as sonâmbulas formas
que nadam fundas, cegas,
pelas espessas ondas
da água e da terra:
as algas submarinas
de lentas cabeleiras,
o polvo vegetal,
raízes, contactos cegos,
carvões inocentes,
canduras enterradas
na primeiroa cegueira.

Por esse único fio,
entre os meus dedos chama,
vibrante, esbelta espada
que nasce dos meus rebentos
e já se perde, só,
relâmpago em desvelo,
entre a luz e eu.

Por um cabelo só
o mundo tem corpo.

in Octavio Paz, Libertad bajo palavra, obra poética (1935-1957), Fondo de cultura económica, sucursal para España, col. letras mexicanas, Madrid, 1990: 16-17.

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