quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Yasunari Kawabata




Autor: Yasunari Kawabata 
Título: A casa das belas adormecidas 
Editora: Assírio & Alvim
Tradução: Luís Pignatelli*

          Nunca me assustou tanto a velhice quanto nos tempos em que vivemos. Eu que cheguei a dizer, na solidão de um papel, que só poderíamos chegar a uma boa velhice após a decadência da juventude, tomando “boa” e “decadência” no seu sentido estóico do termo, sendo que a decadência pressupõe um risco calculado de falhanços e quedas, de uma pre-visão das dificuldades através de um exercício de excessos e frugalidades, de modo a que, atempadamente, tivesse armazenado o sustento incorporal necessário para adquirir essa tranquilidade das imagens que tanto me acompanhavam na infância ao observar os idosos. Hoje olho em frente e tenho medo, um medo somente malogrado por uma certeza em segredo.
          Este livro não me acautelou o futuro, não menos me deu um tremendo prazer. Agora que recentemente entrámos na estação dos prémios Nobel – e quem ainda acredita que um livro, ou uma outra qualquer obra de arte, possa transformar a humanidade, senão um homem ou mulher e a cada vez, o que faz com que a transformação do “espírito” da humanidade, crendo que essa transformação é evolutiva e pelo melhor (falsa crença cega à diferença entre progresso e evolução), filha de uma ideia teleológica do fim da História que em tudo se provou errada, seja um processo infinito – esse novo mito da modernidade, com suas exéquias (que as há), solenidades, celebrações ritualísticas, há que referir que o autor d' “A casa das belas adormecidas”, o japonês Yasunari Kawabata (1899-1972), foi o primeiro do seu país a recebê-lo – talvez assim alguém o leia – deixando o seu émulo e brilhante escritor Yukio Mishima deprimido, zangado, invejoso, enfim, amuado, como sucedeu por cá, mas com outros nomes.
          “A casa” é uma brevíssima novela plena de erotismo escrito o mais das vezes por sugestão, cheio de descrições frágeis e incisivas como que pairando suspensas no mesmo torpor que as raparigas adormecidas no “sono da morte”, como descreve o “velho Eguchi”. Na verdade, sejamos sinceros, nada há aqui de erótico para o/a leitor/a que uma vez acordou a meio da noite e deixou-se adormecer observando o/a seu/sua amado/a. O tema é bem outro; é o singular encontro da beleza com o simulacro da morte num só corpo e como esse encontro nos força a pôr em perspectiva toda uma vida passada. Poderíamos mesmo afirmar que toda a novela é a expansão do famoso monólogo da Hamlet - “to be or not to be (…) to die, to sleep, etc. – mergulhando, neste caso, não tanto numa possível leitura existencialista. A trama é de uma simplicidade estonteante; ao “velho Eguchi” foi-lhe recomendada uma casa, por um amigo, onde poderia passar a noite ao lado de belas raparigas que, sob o efeito de um estupefaciente, dormem e nunca chegam a acordar e os visitantes se aconchegam como se estivessem “deitados com um Buda escondido” (p. 20). Porém, entre morrer e dormir há toda a dimensão do toque, da memória e dos sonhos, tudo entrelaçado, que sobrevém ao visitante, como igualmente a própria morte, que tudo pode transformar.
          Tenho mais medo do que tinha do futuro, não de envelhecer. Olho para o lado e vejo a minha cadela preta “serra” a dormir, esta “bela adormecida”.
          Não é a mesma coisa.


* Luís Pignatelli, poeta português, vd. "obra poética", & etc, Lisboa, 1999.

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