quarta-feira, 26 de setembro de 2012
ainda uma elegia a cronos
Quando, pela primeira vez, desceu
e nesse abandono estrito
da alegria que o instante gera
e entregamos o corpo ao dia, ao sol
julgamos impossível, o dilema
de olhar pela janela a réplica
e pensarmos em quantos como nós
dia por dia, um dia a seguir a outro
são apenas memória
a branquejar na terra.
Porém, estar aqui
sobre a terra sem ter para onde ir
e não há quem entenda o que dizemos
aqueles de quem nunca ouvira dizer nada
Mas o tempo guardou-me aqui
junto do seu Inferno
lucubrando em imagens literárias
entre o lilás e as rosas na janela
por onde conseguimos escapar
ao fulgor das cidades e às terras proibidas.
Resta hoje carregar o peso urbano
e o ruído que chega da distância
com o seu hálito
no calor deste outono
sem que as sombras expulsem o amor.
Por certo o desconforto de saber
o existir e morrer
em constrição contínua
em movimento célere
não se sabe para onde
na terra de ninguém, cheia de gente
e milhares de corpos que se cruzam
que tiveram, mentindo tanto que
o cemitério brilha
de repente numa arca.
A vida é de lembranças,
matéria-prima,
que me traz o conforto de a vida ser só isso:
clamores de luz, tropos de universo
palavras e palavras
para se ter o sol
e as mulheres que dançam
e deixarmos apenas cascas.
e no fim ao deitar-me
com medo que aí virá não tarda
impossível de paz e paraíso
como a noite sucede ao dia.
Hoje encerro em palavras
salvo o peso da minha sombra
um sonho: ainda penso
de não pensar em nada nosso,
somos inteligentes cegos
um recanto de esterco e paz.
como é belo o teu rosto
cansado como estou
da minha condição horizontal
a morte afinal
seria um sacrifício inútil
sem pontos cardiais, e hoje não há
onde os mortos esquecem a alegria
E quando te perdi, fiquei sem nada
por mim, desisto, fico por aqui
o pior é que os mortos como eu
cobrem-se de amarelo e não vês.
a partir de Elegias de Cronos de Nuno Dempster, Lisboa, Edições Artefacto, 2012
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