quinta-feira, 16 de agosto de 2012

J.D.Salinger



Título: Franny e Zooey
Autor: J.D.Salinger
Editora: Relógio d'Água
Tradução: Salvato Telles de Menezes


          Muitas são as teorias sobre educação. Diria mesmo: cada um terá a sua – todos têm opinião sobre tudo –, contra ou a favor da dos pais, dos avós, etc., talvez mesmo contra si próprio – eu por mim falo, sou o meu pior inimigo e tantas vezes me traio. Vemo-nos como barro. Uns querem o melhor de nós e como escultores, ou jardineiros, ou arquitectos – ou qualquer outra metáfora que outrora descrevia Deus e a relação com a sua criação e todos os elementos criados – procuram retirar, incutir, polir, incentivar as potencialidades que nos farão excelsos aos seus olhos: os bons filhos, as boas filhas, o orgulho que os conduzirão à eternidade, pois serão o melhor de seus pais continuando assim as suas vidas. Outros há que os abandonam e – prossigamos com as metáforas – deixam as ervas daninhas medrar-se ao campo, o musgo cobrir o ramo, o bicho roer o cerne, etc., etc.; enviando-se estas crianças para centros de acolhimento onde, por vezes, pouco amor há e a educação se oferta com as costas da mão, ou por outros processos mais ou menos rudes, talvez até mais eficazes que o dos pais que tanto amam os seus filhos – demasiado amor apodrece a coisa amada.
          Mas como verão as crianças os seus educadores? E se esses educadores forem os nossos irmãos, um só irmão que se apresenta como tal e muito para além disso, mas nunca exercendo a força do pai ou da mãe e, talvez por isso mesmo, deixando uma marca mais profunda, alçando-se a uma figura quase divina ou verdadeiro mediador entre o terreno e o divino; se a criança o perde como se sentirá? E se a perda, ainda por mais, vem de um gesto que poderá deitar por terra toda a educação, ou assim parecendo, como verão as crianças os seus educadores?
          Parece-me ser esta a moldura onde J.D.Salinger desenvolveu este seu livro de 1961, “Franny e Zooey”; duas histórias editadas na mítica revista The New Yorker e coligidas num só volume. Irmã e irmão, os mais novos de uma enorme família cujos pais foram artistas de variedades e todos os filhos, pelas suas imensas faculdades intelectuais, ou enorme capacidade para memorizar factos, datas, nomes, etc., bem como representar, integraram, um a um, o programa de rádio, “É uma Criança Sábia”, crescendo assim num estranho ambiente em que o irmão mais velho, Seymour, era o grande impulsionador das potencialidades infantis, seguido pelo segundo, Buddy, um “«escritor residente» numa escola superior feminina no Norte do Estado de Nova Iorque” (54). Enquanto o resto dos irmãos estão mortos ou bem encaminhados, Franny e Zooey, não menos que Buddy, parecem perdidos, cada um à sua maneira, tendo já passado quase dez anos após a morte de Seymour: Franny mergulhou numa profunda depressão e procura agarrar-se a uma fé profética que a afasta da vida; Zooey, pelo seu lado, estando a conquistar a vida como actor, é incapaz de manter uma relação que seja isolando-se de tudo e de todos. Aquela educação conjuntamente com a perda de Seymour – suicídio – deixaram-nos entregues a si próprios e só os dois se podem valer, embora não se querendo ajudar. E quanto a Buddy? Presença intensamente desejada, constante, porém sempre ausente; talvez pura máscara, já que Zooey a veste para falar com Franny e Salinger para nos escrever o livro. Este é um livro sobre uma educação não sentimental, ou uma educação cheia de máscaras demasiado podres para se sustentarem por si deixando os educados numa extrema solidão.

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