domingo, 17 de junho de 2012

João Moita - 5 poemas

XV

A teoria do medo enuncia-se de boca açulada:

que o coração não pontifique na fala.

*

XVII

O açougue é um lugar de equivalências:
onde há eficácia não há diferenciação.
Assim se contamina a colheita.
Tudo o mais é escoamento divino:
uma artéria enquista-se para a articulação
dos detritos.

O açougue é um lugar de produção:
a perseverança trabalha nos corpos
e vejo toda a consumação protelada.
É um contínuo de forças.

Porque há um corpo esventrado
contra um fundo escuro
que se oferece com mesura.
O amor é da ordem do aviltamento.
Quando tudo se equivale
lanceta-se a artéria e é um banho
de insídia.

*

XXVII

A vida está aqui apenas de passagem
e mesmo o amor
às vezes
se põe ao redor.

Um anjo é um cadáver sensível.

*

XXVIII

Levante-se o sangue como armação,
uma prodigalidade.
Quando o sangue se arma
é sob o signo da avidez.
Outra forma de prostituir a beleza.

*

XXXII

Confio-me às minhas transgressões.
Sempre que me afasto dos seus desígnios
a situação fica oh tão frágil.


in João Moita, Miasmas, Vila Nova de Famalicão, Cosmorama, 2010: 23, 25, 35, 36 e 40.

Sem comentários: