domingo, 20 de maio de 2012

Alain Elkann




Título: O pai francês
Autor: Alain Elkann
Editora: Cavalo de Ferro
Tradução: Virgílio Tenreiro Viseu


          A perda é uma dor imensa. Não falo da derrota desportiva, que deverá doer ao fanático, que sofre de “mau perder”, ou ao praticante. Contudo, na verdade, não há “mau perder”, é um absurdo, haverá talvez inveja, ressentimento, mas o perder nunca se poderá qualificar, um bom ou um mau. O que pode aproximar a derrota da perda será, no mais, um efeito físico, corporal, o abatimento, o cansaço que toma conta de todo o corpo e o verga. A perda, no seu sentido mais pleno – e o que será isso? – produz fantasmas, no próprio corpo – a mão, a perna e a dor que permanece onde já não há membro – ou fora dele, ao nosso redor, se quiserem, na memória. Haverá, por outro lado, bons e maus fantasmas; o mais das vezes o mau, Hamlet Pai, os da psicanálise, mas também o divertido de Canterville. Porém, nem bons nem maus fantasmas, outrossim o que se faz com eles é o que define a qualidade de um fantasma. Face à perda, à dor da perda, somos nós que nos lançamos na queda, mergulhamos fundo no sofrimento, ou tomamos rédea e da dor uma coisa nova e boa se cria. Parece ser este o caso d'”O pai francês” de Alain Elkann (1950-). 
          Nascido numa abastada família italo-francesa de judeus em Nova Iorque, embora crescendo em Itália onde ainda reside, Elkann tem desenvolvido uma prolífica obra literária, bem como ensaística – onde discorre sobre a posição (e não o lugar) do judeu em relação ao mundo contemporâneo junto das religiões irmãs monoteístas, na Itália e no Mundo – e uma já longa carreira jornalística passada em inúmeros jornais, enquanto exerce funções de proa no espaço cultural do seu país. Por cá já outra obra dele foi editada, “Vida de Moravia”, com quem trabalhou (Alberto Moravia, portanto); e, depois dessa e d'”O pai francês”, “Mitzváh”, também na Cavalo de Ferro. 
          “O pai francês” é uma breve narrativa sobre a perda. Elkann, num estilo auto-biográfico (e será realmente? Haverá uma pura auto-biografia?), relata-nos o seu trabalho de luto e fá-lo, propriamente, em torno do fantasma do pai. Do pai nada sabe, na verdade, senão aquilo que o pai lhe quis dar a ver e a conhecer: a sua preocupação pela imagem e sua saúde, o seu egocentrismo e o nenhum amor demonstrado aos filhos. O modo como Elkann penetra no mundo do seu pai, um homem extremamente religioso, presidente da comunidade judia, faz-se pelo confronto com o seu némesis, por assim dizer, o pintor e escritor, igualmente judeu, Roland Topor, um homem completamente oposto ao pai, bon-vivant, não-praticante, voluptuoso. O patriarca e o artista estão lado a lado no cemitério de Montparnasse e vão dialogando sobre as suas vidas, o que os opõe, os seus desejos, as suas dúvidas, as suas mortas vidas. Assim, não só Elkann acede à vida de seu pai, como constrói toda a narrativa por camadas numa densa trama: temos o trabalho de luto, a investigação quase policial em torno da vida de Topor e porque está ele enterrado junto de seu pai; e a criação do diálogo dos mortos, pura ficção, que dará fruto ao presente livro, porque durante o seu papel de detective surge-lhe a ideia de escrever um romance, este romance, em que dois judeus mortos, com vidas opostas, se juntam para pensar a vida. 
          Façamos, portanto, “bons” fantasmas.

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