terça-feira, 8 de março de 2011

arkaneftá (6)

este encontro nasce dos pés que se enraízam no fluxo da noite tremenda, ou da vulva ou do ânus, onde o poeta se queria enjeitar, seguro da vida dos amantes - ou a minha tarefa sobre o tempo ao escrever este poema, pois não o escrevo para me esvaziar como um leitor afogado em leituras ou na doce água do mar, escrevo para me afogar nas palavras, neste azul da caneta com que escrevo, e para sentir todo o tempo a passar por mim, como a electricidade num fio condutor, nas pausas de acender um cigarro, um bafo dois: vejo meu pensamento morrer na pressa de tudo aglutinar e, de facto, é quando leio que me sinto esvaziar na escarpada do tempo - com mulheres puras - diz o poeta aos jovens - cujas mãos - e os dois apertavam as suas em cada palavra murmurada - cujo nome belo - nem o do poeta escreverei - e sufocante digo com temor.

e os três, agora, sentados no passeio frio, discutindo se haveriam de passar a noite juntos. os jovens queriam matá-lo, ouvindo um século inteiro a que eles chegaram atrasados, e ele, fodê-los, vendo um novo século inteiro a que ele chegou cedo demais - porque também os Amantes e o Poeta são animais.
e pelos três, passam rostos girando como girando sobre gonzos de cobre. ah o belo corpo velho na luz suspensa, e o deles entrando na terrível purificação universal, no terrível e último grito do profeta, não querendo fazer parte da humanidade - e eu trago uma criança ainda por nascer, que aqui já dá os seus primeiros sinais de salvador nado-morto, porque me recuso salvar se não forem todos a querer salvar espontaneamente, num gesto só, com um ombro entrando no poder de deus, porque um poema alude ao mistério do universo no seu movimento centrípto e centrífugo, e de nenhum deles e todos ao mesmo tempo; como o sangue que passa por toda a doçura, como a época leve que entra e à qual é preciso esperar, contigo, enquanto se morre.

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