terça-feira, 22 de março de 2011

arkaneftá (17)

o amor tinha sido enclausurado como nos arcos de um espelho - e atrás de mim a crueldade bárbara, a queimadura dos rostos pisados e já sem dentes, aqueles olhos azuis e verdes dos amantes a raiar de um sangue escuro que pingava como lágrimas.
um dos homens agarrou ferozmente nos cabelos de um dos amantes, não me recordo qual, e olhando o côncavo daquela cara, erguendo-a para ele, como pelas mãos de um tigre - pensei eu - cuspiu no amante e depois deixou cair aquele rosto sustentado atrás pelo corpo do outro amante na sua firmeza de amor - e pensei de novo: inocentes - e como isso fazia medo!

aquela selvajaria em nome de quê? eu não queria acreditar, nem com olhos fechados se me apagavam aquelas imagens, que via pelo espelho. os homens pararam para descansar um pouco, acendendo cigarros num caderno de anotações, que depois apagaram para ler um pouco do que lá se encontrava escrito (cito: amor, se a porta se entreabrir, com um gato na soleira trazendo na muralha de esmeralda do olho o mel novo, partamos - sim eu sei, queimam-se tantos sonhos como de olho a olho se traz todo o horizonte selvagem mas, os sonhos e os poemas não se movem no chão nem se encontram nos buracos das estrelas). riam alto como trovões no céu, dançando à volta dos amantes batidos, partidos, pisados, como os anjos dançaram com a expulsão de vocês sabem quem, se alguma vez tivessem existido.
e que felicidade, para mim, bateu forte entre os meus soluços quando - como em música um violoncelo no fundo, quase no silêncio, nos navega, como uma força pura que nos arrebata quando nasce uma estrela e apenas sabemos da sua existência um segundo antes de morrer, olhando a noite uma última vez, como a cara que ansiamos ver, de repente surge no reflexo do espelho quando não estamos à espera - os ouvi, sussurrando um ao outro, tocando-se com as pontas dos dedos a sangrar, puxando-se para se abraçarem. assim identifiquei a beleza acerbe de um rosto que renasce já sem fronteiras, porque tudo é sublevado para o olhar. o olhar daqueles dois desculpando-nos: os homens que os massacravam e a mim que nada fazia, como agora ao escrever o poema, mas o meu medo é tão imenso.

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