segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

poema antigo (revisão)

se houvesse, pela vila de Monsanto,
talvez o segredo estivesse escondido
numa fruteira ou entre as maçãs do rosto
de uma mulher decapitada de seu
filho e de gritos já azulada

a vida, toda vista até espanha,
um coração, dizias, cansado
aos vinte e três e de barba e de amor
suspenso com palavras surpresas
pelos gritos daquela mãe no cemitério

cada grito um corte
uma blasfémia
contra a morte prematura
de seu filho nas rochas

(imagino que se terá atirado
abruptamente para o vento
que raspa rente às muralhas do castelo
imagino porque, encontrando-nos lá,
também eu saltaria)

entre as rochas e o céu, ambos
tão perto, ela gritava: rouca, aguda
como um animal nocturno
pedia que ele voltasse pelo nevoeiro
por entre os vales
que atravessasse a terra
de baixo para cima
pelos rios pelas árvores
e o seu grito percorria tudo
chegando à surdez do sol encoberto

ela não o ouvia em resposta
o seu grito de rapaz jovem
ela abafava o grito-rapaz no seu
grito-mãe não o (ou-)via

caiu
um sofrimento de águas
e electricidade

(um grito está sempre ligado a outro
sobrepõem-se como um aperto
ombros colados lábios dentes)

a mão dele a passar leve pela face da mãe
(por favor, era só o vento) e o grito
dela a fechar-se onde os olhos continuavam a chorar
e talvez o segredo estivesse escondido numa fronteira

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