terça-feira, 30 de novembro de 2010
Engessada
Nunca sairei disto! Há duas de mim agora:
Esta absolutamente branca nova pessoa e a velha amarela,
E a pessoa branca é certamente a superior das duas.
Ela não precisa de comida, é uma das verdadeiras santas.
Ao princípio odiava-a, ela não tinha personalidade –
Deitava-se comigo na cama como um corpo morto
E eu tinha medo, porque ela foi modelada com a minha mesma forma.
Somente mais branca e inquebrável e sem queixumes.
Não pude dormir por uma semana, ela era tão fria.
Culpei-a por tudo, mas ela não respondia.
Não conseguia perceber o seu estúpido comportamento!
Quando lhe bati manteve-se quieta, como uma verdadeira pacifista.
Depois percebi que o que ela queria de mim era o meu amor:
Ela começou a aquecer e vi as suas vantagens.
Sem mim ela não existiria, por isso, claro, ela estava grata.
Dei-lhe uma alma, flori de dentro dela como uma rosa
Floresce de um vaso de porcelana pouco valioso,
E fui eu que atraí a atenção de todos,
Não a sua brancura e beleza, como supus primeiro.
Condescendi-a um pouco, e ela vergou-se –
Podia se dizer de imediato que ela tinha uma mentalidade de escrava.
Eu não me importava que ela me esperasse, e ela adorava isso.
De manhã ela acordava-me cedo, reflectindo o sol
No seu maravilhoso alvo torso, e eu não podia deixar de notar
O seu asseio e a sua calma e a sua paciência:
Ela acalentava a minha fraqueza como a melhor das enfermeiras,
Amparando os meus ossos para que melhorassem correctamente.
Com o tempo a nossa relação intensificou-se.
Ela deixou de se adaptar tão bem e parecia-me desligada.
Sentia-a criticar-me apesar de si mesma,
Como se os meus hábitos de algum modo a ofendessem.
Deixou entrar as correntes de ar e começou a estar cada vez mais ausente.
E a minha pele comichava e despelava-se aos poucos
Simplesmente porque ela cuidou de mim pessimamente.
Depois percebi qual era o mal: ela julgava-se imortal.
Ela queria deixar-me, pensava-se superior a mim,
Eu tinha vindo a descurá-la e ela estava ressentida –
Gastando os seus dias assistindo um meio-cadáver!
E secretamente ela principiou a esperar que eu morresse.
Assim ela podia cobrir a minha boca e olhos, cobrir-me por inteira,
E usar a minha cara pintada como um sarcófago
Usa o rosto de um faraó, embora seja feito de lama e água.
Eu não estava em posição de me livrar dela.
Ela amparou-me tanto tempo que eu estava coxa –
Até me esqueci de como andar ou sentar,
Por isso eu tinha o cuidado de não a aborrecer de qualquer jeito
Ou gabar-me de como me vingaria antes do tempo.
Viver com ela era como viver no meu próprio caixão:
E no entanto eu ainda dependia dela, embora o fizesse com pesar.
Costumava pensar que talvez pudéssemos fugir juntas –
Afinal, era uma espécie de casamento, estando tão próximas.
Agora vejo que só pode ser ou uma ou outra.
Ela até pode ser uma santa, e eu posso ser feia e peluda,
Mas brevemente ela descobrirá que isso não interessa nem um pouco.
Estou a recolher a minha força; um dia serei capaz de me arranjar sem ela,
E ela então definhará com o vazio, e terá saudades minhas.
in Crossing the Water - transitional poems
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