terça-feira, 9 de novembro de 2010

Emma Santos - Escreve e cala-te (Ecris et tais-toi 1978) cont.




Pagas-me uma cerveja e sobretudo não escreves num romance…

Eu anoto: “Dar dois negativos, 50 francos, duas cervejas.”

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Depois da psicoterapia, a gente deita-se ao sol, eu deslizo nos seus braços.

– A gente vai a Nova Iorque?
– Não.
– A gente vai a São Francisco?
– Também não…
– A gente vai-se casar?


Ele ri.

– Fazes-me um filho?

Ele recua.

… Eu sei, a gente aluga o hotel P.L.M., a sala de conferências, e escrevemos em maiúsculas CASAMENTO SANTOS.
… A gente convida todo o M.L.F., todas as mulheres jornalistas de Paris mais o Bernard Pivot (porque eu não fui à emissão televisiva “Apostrofes” defender a alegria da mulher livre) …
… As mulheres fizeram uma manifestação no mesmo lugar para o “Salão de casamento”… Isso vai… Isso vai…

Ele vai-se embora sem me ter ouvido.
Eu sonho, eu derivo.

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Ele:
– Tenho medo, ela mete-me medo, com ela não tenho relações normais, como com os outros.

Eu:
– Eu sou única?
Jubilação.

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Ele: “Eu estendo-te um dedo e tu queres a mão, tu vai engolir-me…”

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Ele ficou com medo da nossa vida quando descobriu a descobriu no meu primeiro livro. Ele tem medo das palavras. As primeiras palavras que vivemos juntos em alegria.

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– Doutor, ela tem sempre este gosto de destruição?

Ele esquece que me fez descobrir essa literatura ligada à morte como uma piada e que chorei quando me fez ler a Justine pela primeira vez.

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– Vinte e oito suicídios, isso nada mais é do que seduzir a morte…

Obrigado, sr. o psiquiatra, e todos os sofrimentos das reanimações e as punições falhadas nos hospitais de acaso.

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Diz lá, doutor, ainda não acabaste de punir o meu inconsciente à frente do meu ex-amante?

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1964.

Como eras belo nu o sexo erguido, o arpão na mão numa praia, uma foto de um selvagem de Geoffroy Saint-Hilaire…

Esqueçamos as boas memórias, tu não és senão um velhinho que não tem a coragem de escolher a juventude.
Envelheces de dia para dia, inclinaste. Eu sinto-me cada vez mais livre.

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Só há um pequeno frágil fio entre ti e mim, como tecer a nossa teia de aranha?
Eu quero enclausurá-la de novo por dez anos num quarto.
Quando a gente aparecer, a gente estará pálida emagrecida envelhecida recorrendo um ao outro.
Eu mal podia andar.
Os meus passos conduziam-me para o asilo, para uma outra cama com perfusões.
Todo o líquido que me punham à força nas veias, que ridículo, sou alimentada pelo seu esperma.

Ele, ele foi com outras mulheres, esquecendo a nossa juventude, sem uma marca, sem uma nostalgia ou um olhar sobre o passado.

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A vida continua ao ritmo violáceo do sol da tarde, os pios que me despertam a manhã e os papéis higiénicos que lanço cada mês e as sessões de psicoterapia. Eu posso ser quase feliz como uma mulher inerte de um quadro.
Mas há por trás o fogo, os ocres, o sangue e um gosto avinagrado, em direcção a qualquer coisa maior que me faz roçar a morte.

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